Contos inspirados… by Escola Secundária de Camões - Illustrated by Escola Secundária de Camões - Ourboox.com
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Contos inspirados…

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Artwork: Escola Secundária de Camões

  • Joined May 2020
  • Published Books 3
Contos inspirados… by Escola Secundária de Camões - Illustrated by Escola Secundária de Camões - Ourboox.com

Como surgiu esta obra?

 

Em tempos de Covid-19, com a introdução das aulas à distância era necessário motivar os alunos e pedir-lhes algo criativo e que, ao mesmo tempo, contribuísse para a sua valorização pessoal.

Propôs-se a realização de uma visita virtual ao Museu Calouste Gulbenkian. Os alunos do 12.º ano podiam inspirar-se em obras da Coleção Moderna e da Coleção do Fundador e os do 10.º ano apenas nesta última coleção.

Um dos principais objetivos do trabalho seria “Diversificar as experiências de leitura de modo a desenvolver a reflexão crítica, a sensibilidade estética e a imaginação”.

A tarefa –  “Escrever um texto narrativo, um conto, inspirado na obra escolhida.”

Dentre as obras apresentadas, foram escolhidas as que se seguem para serem publicadas.

 

Professora – Maria de Lurdes Fernandes

Turmas – 12.º C, 10.º E, 10.º G e 10.º H

 

3
Contos inspirados… by Escola Secundária de Camões - Illustrated by Escola Secundária de Camões - Ourboox.com

 

“O medo quem o faz somos nós”

 

Nos tempos em que as bruxas dançavam sobre as povoações, os uivos dos lobisomens faziam parte das noites de lua cheia, e as curandeiras tiravam o mau-olhado, o desconhecido era algo atribuído ao sobrenatural, ao Mal e aos demónios.

Naquele fim de tarde, Francisco atrasou-se a terminar a faina na quinta. Entre o regar a horta e acomodar os animais, as horas passaram sem que desse conta. Não que tivesse chegado há muito tempo. Tinha começado a labuta ainda o sol não tinha rompido. A jorna já estava ganha, e só ao entardecer podia amanhar o que era seu.

Era já noite quando se fez ao caminho e ainda levaria cerca de uma hora a chegar ao seu modesto lar, na aldeia albicastrense. Não que esta fosse a primeira vez que percorria aquele caminho, na verdade, conhecia-o quase de olhos fechados, tal a quantidade de vezes que já o tinha trilhado.

A noite estava já escura como breu e Francisco caminhava de forma compassada. Habituado aos sons da noite – o pio de mau augúrio da coruja e o silvar do vento no mato que rodeia o caminho – e mesmo às sombras fantasmagóricas que bailavam na sua frente, nada o fazia deter no seu passo determinado. No entanto, caminhava sempre desconfiado! Aprendera há muito a ter “respeito” à noite, e a não pensar muito nos ruídos, para que estes não o deixassem paralisado de medo e o impedissem de cumprir os seus afazeres.

Ia de tal forma embrenhado nos seus pensamentos que, por momentos, não se apercebeu de um som estranho que se aproximava. Toc toc, toc toc… Com o som a aproximar-se cada vez mais, Francisco estacou. E o som parou! Francisco retoma a marcha, e ouve de novo atrás de si: toc toc toc toc. O coração começa a galopar-lhe no peito; os pensamentos atropelam-se na tentativa de encontrar uma explicação racional, que o impeça de desatar a fugir. Em vez disso, para e pigarreia, na esperança de colocar ordem no caos da sua cabeça, assim como para assustar o “monstro” que, no seu entender, estava pronto para o atacar. Inspira profundamente, e ganha coragem para dar mais uns passos. E de novo ouve o toc toc atrás de si. Podia jurar que sentiu até um bafo quente no rosto.

Numa tentativa desesperada, consegue a lucidez necessária para tentar descobrir que alma do outro mundo o persegue e lembra-se da caixa de fósforos e do maço de Kentucky que trazia no bolso. Não que fosse um fumador ativo, esse maço já teria uns meses e só em situações especiais acendia um cigarro. Esta era, sem dúvida alguma, uma situação muito especial. Já com o cigarro nos lábios, riscou o fósforo, ao mesmo tempo que se inclinava na direção do sonido. Tentativa falhada! Tentou novamente a sua sorte. Desta vez conseguiu acender o cigarro, mas não descortinar quem o perseguia.

Pensou então para com os seus botões: “seja o que for, se me quisesse atacar, já o teria feito”. Este pensamento trouxe-lhe a coragem necessária para continuar o seu caminho. E pensando bem, já não faltava muito para que as primeiras luzes da aldeia o ajudassem ou a ver quem o atormentava ou este se evaporasse pela impossibilidade de ser visto.

Caminhou durante alguns minutos. Cada passo seu sempre acompanhado pelo toc toc de quem o seguia na penumbra. Nunca o caminho lhe parecera tão longo! Chegando aos primeiros casebres da aldeia, recebe com alívio a fraca luminosidade que os poucos candeeiros derramam sobre as ruas. Retrai o ímpeto de olhar já para trás. Quer sentir-se seguro. Sabe que, seja o que for, continua a caminhar atrás de si. Gira devagar sobre o seu lado direito, e pelo canto do olho vislumbra um vulto…

Reconheceu de imediato o seu perseguidor, e de repente achou-se ridículo por não ter reconhecido o toc toc que o acompanhou durante aquilo que lhe pareceu uma eternidade: o seu burro, (na verdade era uma burra, de seu nome Russa) que se tinha soltado e que o acompanhou, qual guardiã, no seu regresso ao lar.

[…] Após terem comido o caldo quente, Francisco e as filhas, Lurdes e Manuela, sentaram-se à lareira para mais um serão. “Pai conta-nos uma estória” pede a mais nova. E Francisco fazia-lhes a vontade: “Já vos contei a estória da nossa burra? Do susto que me pregou?”. E rematava sempre a estória da mesma forma “O medo quem o faz somos nós!”.

 

Ana Rita Santos, 12.º C

 

Nota explicativa

Este é um texto original, baseado numa história verídica, vivida pelo meu avô materno (que eu não cheguei a conhecer, uma vez que morreu tinha a minha mãe a minha idade), da qual me recordei ao encontrar esta escultura.

Por isso, ainda que a história tivesse sido escrita por mim, contou com a ajuda da minha mãe que me ajudou tanto a localizar no tempo como a contar os poucos factos de que se lembrava e adequá-la ao contexto vivido na época, na sua aldeia. Espero que se delicie tanto a lê-la, quanto eu a escrevê-la.

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A mudança

 

No dia 20 de abril de 1996, a família Esposito herdou o número 7 da rua Boscariello, em Positano, uma maravilhosa aldeia italiana perto de Nápoles.

Uma semana depois da leitura do testamento, o pai despediu-se do trabalho como professor de História da Arte na Universidade de Roma, pegou nos dois filhos e na mulher, que sonhava abrir o seu próprio atelier de pintura, e guiou durante três horas até Positano.

A casa estava em perfeitas condições, dois andares, três quartos, todos virados para Sul, para onde o mar aparecia atrás dos telhados das casas nas ruas mais abaixo. Com exceção de Amália, a filha adolescente de quinze anos que não visualizava de forma muito positiva a sua nova vida, a família encontrava-se felicíssima.

No entanto, não tardou para que as coisas começassem a correr mal, o pai, que pensava que os seus conhecimentos eruditos lhe trariam emprego em qualquer parte do país, continuava desempregado e as pinturas da mãe não vendiam como o casal esperava que vendessem. Para piorar, a humidade tinha começado a destruir a parede norte da sala de estar e era agora preciso deitá-la abaixo, o que ia deixar um corredor enorme entre esta divisão e a cozinha.

Estava uma tarde quente quando o pedreiro chegou. A varanda era o local mais fresco da casa e também o sítio onde menos se ouvia o som interminável dos martelos contra a parede. Era lá que se achava a família, a olhar para as águas calmas do Mar Tirreno, quando Amália se levantou para ir reencher o jarro de água fresca à cozinha.

A rapariga avançou pelo interior de casa, mas parou abruptamente ao passar pela parede já meio destruída, não deixando de reparar em algo que brilhava dentro desta. Olhou em volta, o obreiro devia ter saído para ir buscar mais ferramentas, pensou. Deixou o jarro na mesa de centro da sala e esticou o braço para dentro dos escombros. Quando os seus dedos sentiram uma superfície fria, fechou-os em torno do objeto e retirou-o para perto de si. Nas suas mãos tinha um utensílio com cerca de 20 centímetros de altura, de vidro branco, baço como a poeira que envolvia todo o piso térreo. A taça era decorada com figuras que faziam Amália pensar nas videiras que cresciam no muro do terraço. Um cálice. O Santo Graal.

“Não, não pode ser” murmurou para si.

O vidro encontrava-se húmido, e pequenas gostas de água escorriam pela tona da taça, todavia, antes que Amália conseguisse perceber de onde vinha o líquido alguém abriu a porta de casa. Virou-se com o cálice junto ao peito e subiu os degraus das escadas, de dois em dois, para o primeiro andar.

Na manhã do dia seguinte, quando Amália acordou, abriu os olhos para encontrar o cálice na sua mesa-de-cabeceira, onde o havia deixado. Tomara a decisão de guardar o objeto só para si, talvez num ato de rebeldia contra o pai, que a obrigara a mudar-se para longe da sua antiga cidade e que, com certeza, quereria estudá-lo, talvez entregá-lo a um museu. Levantou-se da cama e agarrou no cálice para o observar mais uma vez, a exterioridade da taça continuava molhada, apesar das tentativas que Amália fizera para a limpar. Dentro da taça não havia nenhum líquido, mas, como a jovem reparava agora, não estava vazia, no fundo encontrava-se o que parecia ser uma folha de papel dobrada.

Amália leu uma e outra vez o que estava escrito no papel: “Não choro por estar só, mas sim por não estar com quem pertenço. Para o meu lugar encontrar, basta debaixo do mar procurar”

O dia seguinte foi igual, a única coisa diferente era a mensagem dentro do cálice: “Se as minhas capacidades queres conhecer, a entrada de 5 pontas terás de ver”. A segunda adivinha deixara Amália ainda mais confusa do que a anterior, e mesmo pensando nas duas frases durante horas seguidas, não conseguiu chegar a uma conclusão sobre o que elas queriam dizer.

No terceiro dia não apareceu nenhuma mensagem. O sol tinha acabado de nascer quando Amália saiu de casa, sem comida no estômago, mas com o cálice nas mãos. Deixou um bilhete dirigido aos pais, que ainda dormiam no seu quarto, e fechou a porta atrás de si. Sabia que saia à procura de algo, somente não sabia o quê.

Já era quase hora de almoço quando a rapariga, de cabeça baixa e olhos fixos no objeto que trazia consigo, reparou que se encontrava a descer uma rua muito íngreme. Olhou em volta e apercebeu-se celeremente que não sabia onde estava. Ao fundo da rua havia um largo, o chão era de relva muito verde e as flores cresciam aleatoriamente. Parecia um pequeno vale, onde apenas se avistava uma casa, uma fonte, e uma placa de pedra clara no chão onde Amália leu “Poço de Neptuno”. Uma vez na escola ouvira falar daquele lugar, era a única área da vila que se situava abaixo do nível do oceano.

A fonte possuía uma estátua do Deus romano do mar no centro e a casa era normalíssima, igual a todas as outras ao longo da vila. No entanto, ao aproximar-se, Amália reparou na única característica desta que se destacava, a porta, em forma de pentágono. Como que num desenho animado, uma lâmpada imaginária acendeu-se por cima da cabeça da rapariga. A resposta às adivinhas do cálice estava mesmo à sua frente.

Sem pensar duas vezes, correu para o pentágono de madeira e bateu-lhe duas vezes, com o punho cerrado. A porta abriu-se no mesmo instante e Amália observou cautelosamente a mulher à sua frente. Era muito alta e o seu cabelo preto não só emoldurava perfeitamente a sua cara oval como contrastava agradavelmente com a sua pele pálida. Os olhos da mulher, igualmente pretos, saltavam entre o rosto moreno de Amália e o cálice branco.

“Estive à tua espera” afirmou, a sua voz suave como o cheiro floral que vinha de dentro da casa. Amália não percebeu se ela falava consigo ou com o objeto.

“Acho que isto é seu” falou baixo enquanto lhe estendia o cálice, não se lembrava nunca de ter estado na presença de uma figura tão intimidante.

“Presumo que ele te tenha dito algo”. A mulher enigmática retirou calmamente o objeto da mão de Amália e focou-se apenas na jovem rapariga. “Este cálice foi-me entregue em 1903, por um senhor que eu conheci quando era apenas uma criança. Até hoje não sei o seu nome, apenas me disse que era turco e que ia a caminho de Lisboa.” 1903, a mulher não parecia ter mais de trinta anos.

Amália pensou em correr para longe dali, talvez a mulher fosse louca. Porque outra razão viveria ali? Isolada do resto da população? Mas, antes que os pés se começassem a mover, olhou uma última vez para o cálice, era o objeto mais bonito que alguma vez vira, e, apesar de só o ter fazia 3 dias, não se queria separar já.

“Quais são as capacidades dele?”- perguntou a medo.

A mulher à sua frente moveu-se, deixando o acesso para dentro da sua casa aberto. “Entra,” o seu sorriso era misterioso, mas confortante “tenho muitas histórias para te contar”.

Dois anos depois desse exato momento, Amália recordava-se daquele dia quente com carinho, do dia em que a única habitante do Poço do Neptuno lhe perguntara o que poderia fazer para agradecer o retorno do cálice. Amália pensou nas capacidades deste e na família e pediu o que precisava. Agora, o pai tinha novamente trabalho e à mãe fora-lhe dada a oportunidade de abrir a sua própria galeria na capital. Estava na altura de a família voltar para Roma.

Amália ouvia o irmão, dentro do carro, a chamar por ela, mas os seus olhos estavam focados na mulher de cabelos negros que lhe acenava, o corpo meio escondido atrás de uma cerejeira a alguns metros de distância. Um objeto de vidro branco espreitava pela mão caída ao longo do corpo.

Antes de Amália entrar no carro, sorriram uma para a outra, como duas pessoas que partilham o segredo do universo.

 

Beatriz Nunes, 12ºC

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Os tocadores de sinos

 

Choveu, e numa rua escura algures, num final de tarde, sente-se a gravilha a colar na sola dos sapatos das pessoas, que a cada passo que dão sentem-se mais pesadas. No meio da escuridão, estão três rapazes sozinhos que fazem um campeonato mundial de atletismo numa única rua. Correm sem destino, os três sem almas, prestes a descobrirem o que a vida lhes irá oferecer, um trio de selvagens, a correr descalços sem qualquer rumo ou sentido na vida. Ao descer por aquela rua estreita um toca nas sinetas das portas que estão penduradas por um cordel fino que se for puxado com muita força pode ceder, vai tocando as sinetas vendo quem vem à janela gritar, outro salta nas poças de lama, e no fim, vemos o mais novo, a segurar com uma mão as calças que lhe caem pernas abaixo e a outra mão na boina que leva na cabeça. Estes três futuros homens estão a correr, a fugir do seu passado e a criar um futuro no momento. São selvagens.

Depois de correr rua abaixo chegam a uma fonte de onde bebem os três, e aí sim, ouvimos os seus nomes, o mais velho, Flint, o tocador de sinetas, o que vem coberto em lama da cintura para baixo é o Ben, e o mais novo, aquele que se nota ser o mais trapalhão, é o Louis.

Ofegante e com o seu coração aos saltos, Flint diz:

– Rapazes, veem aquele rapaz ali em cima?

– Sim, o que tem? – diz o mais novo, Louis.

– Sabem… ele está ali, descansando na varanda a soprar bolas de sabão que são frágeis, como todas as palavras que alguma vez irão sair da boca dele, na escuridão daquela varanda cheia de grades. Mas não sabe uma coisa que vós sabeis… ele não sabe ser livre.

– Mas Flint, ser livre não se ensina, nem se escolhe, é uma coisa que acontece. Eu pelo menos não escolhi!?!?

Flint, num gesto rápido, rebenta uma bolha de sabão e diz:

– Por vezes, mesmo que queiramos ser livres, somos como as bolhas, ao primeiro obstáculo rebentamos, desistimos, mas o que separa uma bolha livre de todas as outras é a sua habilidade de fugir. Tenho uma coisa para vos mostrar, sigam-me.

Levantam-se os três da fonte sem qualquer hesitação, deixam as bolas de sabão a caírem no transbordo da água da fonte e seguem por uma estrada de gravilha que passa ao rebordo da fonte. Olham em frente e percebem que estão a chegar ao centro da cidade. Nos seus olhares sente-se a tensão, dois suspeitam e um está decidido, o líder, com uma expressão de absoluta certeza começa a correr, seguido dos outros, e recomeçam a puxar sinetas, com as damas gritando “Olhem os selvagens!!!” Correm, cada vez mais rápido, dirigindo-se ao que agora parece ser o centro da cidade. Ali os esperam polícias, homens de negócios, todo o tipo de pessoas que os quer longe, e Flint grita “Agora, fujam, sejam bolhas!!”. Os três, numa formação triangular quase perfeita, prosseguem rua abaixo em direção ao rio da cidade, eles passam nas saias das senhoras, debaixo dos braços dos empregados de mesa, mas não param, vê-se que, naquele momento, são os três bolhas de sabão à deriva numa cidade gigante que tem tudo menos graciosidade, mas eles são a graciosidade, são a liberdade a passar por entre os Homens do mundo moderno.

Sentado numa esplanada estava um rapaz, sozinho e sem família, que ao ver o trio passar não hesitou e pôs-se em perseguição. Agora era oficialmente uma caça, uns pela liberdade, outro apenas pela novidade e descoberta.

Chegam à beira do rio e param os três a olhar para a água negra do canal; por fim chega o perseguidor, exausto, diz ofegante:

– Vocês são desta zona da cidade?

– Nós não temos zonas, não temos barreiras, somos bolhas de sabão triunfantes!! – diz o mais pequeno, justamente antes de saltar para a água, entusiasmado com o estilo de vida que leva.

Dois mergulhos depois está um único rapaz na margem, boquiaberto com a ousadia dos outros três, encontra-se em bicos dos pés quase em desequilíbrio, está no maior impasse da sua juventude. Salta, e é livre, ou fica na margem com a sociedade.

Francisco Gouveia, 12ºC

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L’ Amour à la Folie

 

Um sol abrasador de pleno verão fazia com que todo o corpo de Benjamin ficasse peganhento devido ao suor. Nunca tinha sentido tanto calor na sua vida. Tinha acabado de se mudar do Norte de França onde estava habituado a um clima mais fresco e esta mudança drástica estava a deixá-lo de mau humor.

Sentia saudades da brisa marinha que antes lhe preenchia os pulmões e o fazia sentir vivo e sentia, sobretudo, falta do cheiro a peixe que emanava do seu pai após vir de uma pescaria prolongada no mar alto.

O seu pai sempre quis mudar de vida, enriquecer e viver em Paris e, aproveitando a desculpa de irem visitar a sua tia, decidiu levar Benjamin e experimentar como seria viver em Paris durante algumas semanas.

Não demorou muito até ter feito amigos com quem jogar à apanhada, ao arco e com quem fazer traquinices pelas ruas de Paris. Corria pelas bancas do mercado a roubar maçãs e pães com os seus recém-amigos. Grande parte deles roubava por não ter dinheiro para comprar comida, mas Benjamin fazia-o para se integrar e sobretudo pela adrenalina que lhe trazia. A perseguição, a corrida, os gritos, o sentimento de se ter safado após virar a esquina da rua e os risos e as histórias que partilhava com os seus amigos…

Logo no primeiro dia tinha sido apanhado a roubar, mas devido à influência do pai como mercantil, tinha-lhe sido dado um aviso de que se alguma vez fosse preso de novo, iria para a forca.

A ameaça pode não ter assustado Benjamin, mas certamente assustou o seu pai. Desde que a sua mulher, mãe de Benjamin, morrera, que o filho se tinha-tornado o centro do seu universo, a sua razão de viver e o simples facto de sequer pensar em perdê-lo, aterrava-o.

– Nem sequer te atrevas a arranjar problemas novamente! – dizia o seu pai enquanto o arrastava pelo braço, atravessando o Campo de Marte, onde exatamente duas décadas depois iria ser erguido um enorme monstro metálico de trezentos metros.

– Não o fiz por mal, pai! Eu e os meus amigos estávamos só a…

– Não quero saber! Faz aquilo que eu te digo ou prendo-te em casa da tua tia onde não arranjas sarilhos a ninguém, ouviste-me?

Apesar de ter ficado zangado, percebeu que o seu pai não estava para brincadeiras. Então simplesmente ficou calado e amuou. Não era justo que ele não pudesse brincar como queria e com quem queria e especialmente de fazer aquilo de que gostava. Sentia-se bem a correr e a desrespeitar a lei, era quase tão emocionante quanto pescar com o seu pai.

Tentando fazer com que se distraísse um pouco e se mantivesse fora de sarilhos, o pai levou-o, nessa tarde, à Ópera de Paris, mais tarde conhecida por Ópera de Garnier. Não gostava muito de ópera, mas sempre era algo que fazer e ao menos os fatos dos atores eram engraçados. Foi uma tarde bem passada, mas houve um pequeno detalhe que não agradou a Benjamin. Tinha a ver com uma estátua que vira à entrada da Ópera. Fazia-lhe impressão em como pareciam todos demónios a dançarem e a festejarem, mas o pior era mesmo a criança que tinham aos pés. Tinha um olhar tresvariado e ainda por cima algo que se assemelhava a um fantoche na mão, como se a brincar com ele.

– Pai, acha que posso ir brincar com os meus amigos um pouco? – tentou Benjamin a sua sorte.

– Podes, mas só depois de me ajudares a arranjar os polvos que vieram hoje. – respondeu o seu pai após alguma deliberação.

Foram para casa e começaram o trabalho. Benjamin não desgostava do trabalho, mas preferia arranjar peixe fresco. O seu pai ia retirando as bolsas de tinta dos polvos e ele ia-os lavando o melhor que podia.

Após terem terminado, o pai de Benjamin disse-lhe para levar as bolsas de tinta e deitá-las na valeta da rua para que não ficassem a empestar a casa com um cheiro a maresia.

Saiu de casa, mas distraiu-se, pois, encontrou os seus novos amigos. Lucas era o mais velho e quem decidia aquilo que todos faziam e quando viu as bolsas de tinta que Benjamin trazia consigo, disse que era giro se brincassem com a tinta.     Gostando de ser incluído nas brincadeiras e de, ainda por cima, ser por sua causa que esta podia ser realizada, Benjamin assentiu.

Enquanto as crianças esvaziavam as bolsas que estavam ainda imaculadas para um recipiente, Lucas dirigiu-se a Benjamin:

– Onde foste esta tarde?

– O meu pai levou-me a ver a ópera. Há uma estátua mesmo esquisita à porta.

Formou-se um sorriso matreiro na cara de Lucas e este exclamou:

– Já sei que brincadeira vamos fazer!

Pareciam todos muito ansiosos por saber aquilo a que iriam brincar, visto que tinham já a tinta pronta.

– O Benjamin vai ter a honra de despejar a tinta na estátua da Ópera!

Benjamin ficou surpreso. Ele sabia que não podia arranjar mais sarilhos, mas os seus amigos estavam bastante satisfeitos com a brincadeira e não podia parar agora.

– Desde que seja a tinta de lula… Ela sai com uma certa facilidade… – disse Benjamin para si mesmo.

Dirigiram-se para a Ópera e Lucas foi à frente com a tinta. Já estava escuro. Quando chegaram lá, alguns miúdos já tinham ido para casa e, portanto, só restavam meia dúzia deles.

– Vamos Benjamin, despeja a tinta. – disse Lucas com um sorriso malicioso.

Benjamin aproximou-se da estátua, empoleirou-se num braço de uma das figuras de mármore e acabou por despejar a tinta toda na estátua. Os miúdos riam-se e riam-se e Benjamin também começou a rir. Foi nesta altura que Lucas tirou algo detrás das costas e mostrou-o.

– Alguém quer tinta de lula? – disse Lucas, com um ar trocista, para Benjamin.

Não conseguia acreditar. Tinha deitado tinta verdadeira por cima da estátua.

– Não te preocupes, a minha mãe diz que a estátua é obscena e que a deviam tirar daí. Ninguém gosta dela. – retorquiu Lucas, vendo que Benjamin estava claramente perturbado.

Benjamin desatou a correr para casa do pai. Sabia que tinha feito asneira, mas mais valia um castigo do pai a uma corda ao pescoço. Sabia que lhe tinha de contar o que tinha feito.

Ainda nessa noite voltaram, Benjamin e o pai, para a sua casa no Norte de França. O seu pai tinha ficado aborrecido, mas o seu amor por Benjamin fez com que pusesse a sua segurança em primeiro lugar. Apesar de nunca ter sido descoberto o responsável que tinha despejado a tinta, Benjamin só pensava em como tinham brincado com ele naquela noite de Agosto, como a estátua da criança que brincava com o fantoche…

 

Guilherme Amaro, 12ºC

 

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Desconforto

 

Takashi e Hiroshi eram dois irmãos órfãos. Os pais tinham morrido num acidente de carro quando Hiroshi, o irmão mais velho, acabara de fazer dezoito anos. Tinham ido a Quioto, capital do império, comprar comida para o jantar de aniversário de primogénito e material para pesca.

Desde então, a dupla de irmãos vivia sozinha em casa. Não tinham outros familiares e para sobreviver ocupavam-se do trabalho que o pai tinha antes de morrer. Do nascer do sol ao cair da noite, eles pescavam salmão no rio que passava pela aldeia onde moravam. Usavam a canoa que, outrora, pertencera ao pai e Takashi, como não sabia ainda usar rede, usava a cana de pesca que tinha em casa. Takashi, por sua vez, usava rede. Há 5 anos que realizavam tal tarefa e dia após dia de muito peixe pescado e, posteriormente, vendido no mercado da aldeia, não se queixavam, pois, ambos sabiam que era o trabalho que o pai realizava com muito empenho.

Certo dia, saíram para mais um dia de trabalho. Vinham vestidos com calças azuis, camisa branca e um chapéu pontiagudo feito de palha. Estes chapéus tinham sido a primeira prenda que os pais tinham oferecido aos dois irmãos. Caminharam até ao rio, largaram a canoa e entraram os dois. Durante a manhã, o peixe que apanharam foi pouco. Era suficiente para uma, talvez duas pessoas. Sentaram-se na pequena embarcação de madeira e almoçaram o farnel que tinham trazido de casa.

– Vamos ter que apanhar mais peixe. – disse Takashi.

– Tens razão. Deve ser da corrente. – respondeu o mais velho.

As horas passaram e nem um único salmão apareceu na rede e na cana de pesca. Decidiram então voltar para casa, mas, mal começaram a remar de volta, saltou da água um peixe-dourado que, com a barbatana caudal fez com que o chapéu de palha de Takashi fosse parar à água. Nesse momento, a corrente fez-se notar e o chapéu, que tinha caído no rio, desapareceu com a mesma.

– Vamos atrás do chapéu. Por favor. É a única prenda que tenho dos pais.

Os dois irmãos pegaram nos remos e seguiram a corrente. Já remavam há umas horas. O céu tinha escurecido. Ambos largaram os remos, deitaram-se no pouco espaço que tinham disponível e adormeceram.

Acordaram. À sua volta, estavam árvores cuja ramagem era muito densa e, consequentemente, era difícil ver o sol. A ramagem era como um túnel. A corrente tinha acalmado e a canoa estava imóvel. Junto à mesma encontrava-se o chapéu de palha. Apanharam-no. Viram, então, uma luz brilhar e aquele peixe amarelo que tinha sido a causa de tudo, transformou-se numa figura humana com uma cor azul que reluzia grandes quantidades de luz. Apenas era possível ver a silhueta da criatura. Após alguns momentos afirmou:

– Durante toda a vossa vida viveram e trabalharam na aldeia, talvez por respeito a mim e a vossa mãe, talvez pelo medo de procurar o desconhecido.

– Pai? – perguntou Hiroshi.

– Todos os dias percorro o rio e lá estão vocês. Um com a rede e outro com a cana de pesca. Também sei que, às vezes, vocês desejam mudar drasticamente a vossa vida e isso é importante. A vida é muito mais bela, quando se procura que ela seja desconfortável e sonhada.

– O pai tem razão. Nestes últimos 5 anos, não temos feito outra coisa senão homenagear os pais. Temos que seguir em frente. – afirmou Takashi.

A silhueta explicou-lhes a situação, e aquilo que no início parecia confuso, tornou-se claro e simples. Após dois ou três minutos, a luz vinda da forma começou a desvanecer-se e um último som foi proferido pela criatura:

– Lembrem-se! Procurem desconforto.

Logo após dizer isto, a luz ofuscante desapareceu e a forma humana transformou-se de novo no peixe-dourado. De seguida, os irmãos, decididos a fazer o que a silhueta lhes tinha dito, voltaram a pegar nos remos e remaram contra a corrente.

Durante a viagem conversaram sobre o que queriam fazer no futuro e como o iriam fazer. As ideias eram diferentes, mas duas coisas eram certas: não queriam sair mais cedo e, uma última vez, iriam pescar salmão. Chegaram à beira da aldeia às quatro da tarde e largaram a rede e o anzol. Hiroshi estava dobrado e Takashi de pé com as duas mãos no instrumento de trabalho. Apenas apanharam dois peixes.

Voltaram para casa, deitaram-se cada um em sua cama e adormeceram. Na manhã seguinte, fizeram os preparativos para uma viagem só de ida. Depois de almoçarem seguiram em direção a Quioto à procura de uma vida melhor.

Passaram-se cinco anos desde a partida dos dois irmãos da aldeia. Takashi vive na grande capital. Namora, trabalha em escritórios e caracteriza-se com a pessoa mais feliz do mundo. Já Hiroshi viajou para o estrangeiro onde vive casado e com filhos. Antes de se casar realizou todo o tipo de aventuras. Também ele se caracteriza como a pessoa mais feliz do mundo.

 

Guilherme Reis, 12ºC

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O prédio

 

Hoje era dia de ir à cidade e Ema precisava de apanhar o comboio – o trajeto que ela tanto adorava – que seguia desde a periferia da cidade até quase ao centro, com saída ao pé de um corredor com grandes e robustas árvores. Mas, Ema não seguia viagem com tanto entusiasmo pois desta vez ia ao hospital ver a avó. A Dona Luzia não se encontrava bem e era a familiar mais importante para Ema pois era ela que a compreendia.

Durante a viagem ia meio apagada, – tanto que nem pegou no livro que tinha trazido para ler – vinha a falar para com os seus botões sobre como se iria sentir a ovelha negra da família se a avó não sobrevivesse, como iriam gozar com ela por ver a vida com outros olhos e como a vida lhes passou totalmente ao lado sem nunca compreenderem a sua beldade. Por norma, sempre que ia à cidade ficava vidrada a olhar através da janela e a ver, simplesmente, a ver. Ela e a avó diziam que viam a vida através de um filtro, sim um filtro como se fosse uma câmara. Supostamente cada pessoa tem o seu, mas nem todos se apercebem. Ela e avó viam as coisas como se fossem fotografias a cores dos anos 70. Ema estava mesmo na lua e nem deu pelo tempo passar. Ao longe já se avistavam as majestosas árvores e um grande prédio que ela odiava porque tapava a vista daquela zona. Saiu do comboio, tirou uma sandes da mochila e foi a comer pelo caminho até ao hospital.

Até do caminho para o hospital ela gostava! Tinha de subir umas ruas íngremes e passar por alguns bairros cheios de vida e coloridos, com varandas floridas e com o cheiro de sardinhas assadas a pairar no ar. Passado pouco tempo, chegou à entrada do hospital, entrou e falou com a primeira enfermeira que viu:

– Olá, desculpe, pode ajudar-me?

– Olá, com certeza, vem visitar alguém?

– Sim, a minha avó, chama-se Luzia, ela já está cá há alguns meses.

– Ah, então deves ser a Ema, certo? A tua avó fala imenso de ti, eu levo-te lá.

E assim foi, seguiu com a enfermeira até ao quarto 104, e abriu a porta. Viu a avó deitada na cama, mas com o mesmo ar de quando a conhecera: um sorriso contagiante. Quando se viram, os olhos de ambas brilharam como estrelas, a tentar conter algumas lágrimas e Ema correu logo para ela e deu-lhe um abraço – ou um grande xi, como a Dona Luzia dizia.

Falaram imenso, a avó perguntou-lhe da escola e como iam as coisas lá em casa, mas, ela queria era falar com a avó sobre coisas mais interessantes, como ambas viam o mundo. Ela reparou que a avó estava a dizer bastantes vezes “não te preocupes”, “vai ficar tudo bem” e “eu vou estar sempre aqui” como se aquele momento fosse o fim, o fim daquele filme que tinha sido a vida da avó com tantas vivências e peripécias.

Com algum receio decidiu perguntar:

– Está tudo bem? Há algo que não me queiras dizer?

E o quarto 104 ficou silencioso. Só se ouviam os barulhos das máquinas, mas até estas pareciam ter medo de irromper o silêncio com os seus sons estridentes. A Dona Luzia fez sinal para o copo de água e Ema passou-lho. Ela deu um gole e explicou-lhe:

– Minha querida, espero que não me culpes por isto, mas…

– Mas, o quê, avó? – perguntou Ema, já com falta de voz e a sentir o calor a ferver-lhe a pele.

– Eu… eu já não aguento mais, eu já estou no hospital há algum tempo como sabes. Tu és a única que me vem ver e isso dá-me forças para tentar melhorar, mas já são muitos anos e uma aventura tem sempre um fim. A minha foram estes ótimos 85 anos e eu estou totalmente grata por tudo. Eu quero deixar este mundo enquanto ainda vejo as coisas com a sua vida e não quando já vir tudo obscuro e inerte.

– Hum, isso quer dizer que vais recorrer à eutanásia? – perguntou Ema e tentou controlar as lágrimas que lhe escorriam pela face.

– Sim, Ema. Espero que compreendas.

– S-sim compreendo, mas é indolor ao menos?

– Sim, já falei com os enfermeiros e com os teus pais. Eu queria que viesses cá hoje para teres uma última boa recordação minha.

– Mas isso é para quando?

– Amanhã…

– Eu fico! Eu durmo aqui avó!

– Mas e os teus pais? Ainda se chateiam contigo, é melhor falares com eles primeiro.

Ema ligou para casa através do hospital e conseguiu, após alguma insistência, que a deixassem dormir no hospital para estar com a avó nas suas últimas horas. Acabou por adormecer a ler para a avó o livro que trouxera, era “Mataram a Cotovia” de Harper Lee – um dos livros que a avó lhe recomendara.

A ansiedade fê-la despertar cedo e ficou a observar a avó durante um tempo: a luz do sol banhava-lhe a cara, destacava-se uma pele quase translúcida e algumas rugas nas bochechas de tanto sorrir. Ela aproveitou para ir buscar algo para comer e quando voltou a avó já estava acordada.

Digamos que não foi uma manhã fácil… a Ema, às vezes, deixava de estar presente, mas era inevitável.

Quando se aproximou da hora, os enfermeiros começaram a fazer os preparativos e a Dona Luzia entregou uma carta Ema e deu-lhe um último xi. Ema permaneceu no quarto 104 durante mais uma hora, revoltada, a pensar no que fazer. Algumas enfermeiras ainda tentaram dar-lhe um pouco de apoio mas ela fechou-se no seu mundo, com o seu filtro, mas sem a avó.

Já não tinha nada que a apegasse ali… Então foi apanhar o comboio de volta para casa e resolveu abrir a carta durante a viagem. Ao entrar na carruagem reparou que o prédio hediondo não constava na vista, via o contorno do prédio a branco, já não estava lá quando chegou à cidade. “Quem me dera mostrar esta vista à avó” disse para si.

Acabou por se sentar ao pé da janela e preparou-se para abrir a carta, mas as lágrimas anteciparam-se e o envelope começava a ficar húmido. Tentou limpar as lágrimas com o antebraço, retirou a carta meio enrugada e esboçou um sorriso ao ver a caligrafia da avó. Aquela memória final, entregue pela avó, despertou-lhe uma mistura de emoções, mas a forma como a avó rematou a carta marcou-a:

 

“… como sabes estarei sempre aqui, não é necessário ser uma presença física, porque vemos o mundo da mesma forma, eu sei que estaremos sempre ligadas. Adorei ontem teres lido para mim, fiquei a ver-te a dormir durante um pouco, ainda te vejo como se fosses a minha pequenina. Fiquei surpreendida de não teres falado de já terem retirado o prédio horrendo da vista, achas que não reparei?…”

 

Era só com a avó que ela tinha uma conexão assim, o comboio seguia a toda a velocidade e Ema recostou-se na cadeira, abraçada a uma carta, enquanto as lágrimas secavam.

Joana Formiga, 12ºC

 

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A história da libélula

 

No Reino de Atenas, nasceu, há 16 anos, uma princesa, a linda princesa Mérida. Neste seu aniversário, a rainha Vitória, sua mãe, irá cumprir a tradição. O peitoral que outrora fora da Rainha Isabel II, será entregue à princesa na cerimónia real, realizada há mais de cem anos.

O dia chegou e todos os convidados estão à espera. O grande salão real foi decorado em tons de vermelho e dourado, com os grandes candeeiros de cristal a brilhar mais do que nunca. A rainha Vitória observa os convidados, sentada no trono, enquanto espera pela sua filha.

No quarto da princesa, a aia compõe os últimos detalhes:

– Sofia, por favor está a magoar-me!

– Estou a acabar, princesa. – Por uns momentos, apenas se ouve o som dos convidados no salão. Quando a princesa se encontra pronta, a aia despede-se, dizendo palavras de carinho.

Mérida dirige-se ao salão real e prepara-se para descer as escadas. Quando se encontra no topo das escadas, olha para a sua mãe, sentindo orgulho. Depois de se sentar no seu lugar do trono, a rainha Vitória começa o seu discurso. A seguir, o peitoral é entregue à princesa que o aceita serena, mas quando lhe toca tem uma sensação estranha e vê, por segundos, uma floresta enevoada em que, no centro, se encontrava a Libélula. Mérida disfarça e deixa que a cerimónia continue.

Antes de se ir deitar, toca na Libélula mas, desta vez, durante mais tempo. A princesa encontra-se outra vez na floresta e vê a Libélula. Esta diz-lhe, sorrindo, “Estava à tua espera, porque demoraste tanto tempo?” Assustada, Mérida não responde.

– Não me reconheces? – Pergunta Libélula.

– És o meu peitoral… – A princesa observa a criatura à sua frente, que parece feliz por vê-la.

– Minha querida Mérida, foi num dia de primavera que tudo aconteceu. Estava eu no jardim do palácio quando o meu amor aparece, não sabes o quão felizes estávamos, o nosso filho tinha nascido há pouco tempo, transbordávamos amor. Naquele dia, o meu querido marido ofereceu-me esse peitoral que agora é teu. Usei-o até ao dia da minha morte. No dia em que morri, a minha alma encontrou o seu caminho até este peitoral, desde então que aqui estou… Eu, Rainha Isabel II, sou a Libélula.

Assustada, a princesa queria sair daquele sonho estranho o mais rapidamente possível. Não estava a perceber a história que a Libélula tinha contado ou o porquê de estar ali. Olhou para a Libélula uma última vez para ficar com a imagem gravada na memória e, logo a seguir, largou o peitoral.

Tinha a respiração acelerada quando voltou à realidade, como se tivesse corrido muito. Olhou à sua volta, como se procurasse a criatura estranha, felizmente não a encontrou e o medo que a fazia tremer foi passando lentamente. Tentou dormir, mas não conseguia parar de pensar no que tinha acontecido. Decidiu, durante a madrugada, pintar o peitoral num quadro. Assim, poderia retratá-lo com a vida que o tinha visto, com as suas cores bastante vívidas e envolta pela floresta enevoada.

O quadro que pintou nessa noite ficou no seu quarto até à sua morte, para lhe lembrar da história que ele carregava.

 

Maria Gil, 12ºC

 

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Aprender a Recordar

 

Numa madrugada cinzenta e invulgar, uma das últimas, do já velho e cansado protagonista, algo aconteceu, algo mudou. Este não viu, ouviu ou cheirou, apenas sentiu tal mudança (ou pelo menos a possibilidade de uma). Esta personagem, ainda por revelar, perdida no sombrio amanhecer, sentiu uma estranha e inédita nostalgia, uma saudade inesperada, saudade de tudo o que testemunhou, e foi essa saudade inexplicável que deu origem ao, também, inexplicável conto.

Ele era alto, robusto, tido como dono de uma beleza única (idêntica à da Natureza), mas tão diferente do que pensam. O protagonista desta história é um espelho! Sim… um espelho! Espelho este, guardado desde que há memória, numa sala também ela peculiar, e como qualquer outro espelho, encontrava-se destinado à maldição de tudo poder ver e refletir à exceção do seu próprio reflexo. Porém, isso não o impedira de ser visto, e todos os que o viam descreviam-no como sendo único, lindo, como sendo a junção de dois opostos tão semelhantes como dois cometas que nunca se cruzam. Esta é, então, a história que conta tudo o que este vira, este é o conto que não possui um momento decisivo, porque todo ele o é.

E foi naquele instante, no momento em que o primeiro raio de Sol penetrou pela penumbra da madrugada e chegou à sala refletindo no espelho, que este pôde ver, uma vez mais, uma última vez, como numa despedida, o rosto já de si cansado mas cheio de emoção da sua primeira cuidadora. A primeira vez que ela se olhou através do espelho, era jovem e cheia de sonhos, mas não foi essa a figura de quem o espelho se recordou… O espelho reviveu a última vez que viu essa mulher, recordou como a sua cara, outrora jovem, transmitia uma emoção diferente em cada ruga que possuía; a ânsia do primeiro amor, a dor da perda do último, a alegria de ver a família toda reunida, a saudade de quem, para um lugar melhor, partira, o medo da solidão e a tristeza por sonhos incompletos; recordou como esta se despediu da sua imagem e acima de tudo o espelho recordou todo o universo presente nos olhos luminosos da mulher. E foi nesse olhar que o espelho pôde ver as batalhas que ela teve que travar, pôde ver uma emoção por detrás de cada memória criada.

Se o espelho fosse humano teria vertido uma lágrima repleta de sentimentos contrários.

E foi no momento em que, um outro raio de sol, talvez perdido, refletiu sobre a alcatifa colorida da sala que este peculiar espelho se recordou do menino mais bonito que alguma vez tinha tido o prazer de observar. Este lindo e singular menino não era, necessariamente, o mais bonito fisicamente (apenas um simples rapaz, magro, baixo, olhos azuis e cabelo tão negro como a nossa sombra num dia de Sol intenso), mas o espelho, como espelho que era, não podia ignorar ou deixar de refletir a radiante luz emanada do corpo do jovem rapaz após cada gargalhada sincera, após cada corrida, após cada brincadeira solitária… O espelho não o tinha visto crescer, talvez o doce e inabalável menino se tivesse transformado no mais endurecido dos corações humanos, mas isso pouco ou nada importava ao espelho, porque nem isso ou o mais imperdoável dos pecados poderia retirar àquele feliz menino, e à memória que o espelho tinha dele, a luz que uma vez possuíra.

E antes que o Sol pudesse fugir pelo horizonte adentro, o espelho recordou, uma última vez, o olhar azul e profundo, como o retrato do mais bonito oceano, do doce e alegre rapaz.

E foi ao cair da noite, que o espelho reviveu uma última e poderosa memória. A imagem do casal mais apaixonado que alguma vez refletira. Relembrou a maneira de como ambos passavam grandes e autênticos serões a dançar ao som da música calma e sincera produzida por uma antiga caixinha de som. E como se fosse um ser humano, como se fosse parte do casal, o espelho tinha aquela dança guardada como sendo a mais sincera despedida, como se fosse a mais dura verdade, como se fosse a mais pura das felicidades, o espelho tinha a dança guardada na sua memória como sendo o laço que unia aquelas duas almas, outrora destinadas a encontrarem-se.

Mas nem a dança, como último símbolo do amor do casal, marcou de uma maneira mais profunda o espelho do que a conversa que este presenciou, numa noite tão calma como a atual:

“- Amo- te.”, disse o jovem apaixonado.

“- Sempre e para sempre.”, afirmou a jovem rapariga, em resposta à anterior afirmação do rapaz.

Talvez esta curta conversa, sem um sentido lógico, seja considerada por alguns como lamechas ou sem nexo, mas não foi assim que o espelho a guardou e cuidou. O espelho viu este curto diálogo entre os dois jovens como o mais bonito e sincero que alguma vez ouvira. Guardou-o como prova do amor humano.

A noite passou, e outra madrugada tomou o seu lugar, mas esta já não era cinzenta, era alegre e luminosa, e todo esse brilho permitiu, uma mais vez, ao espelho recordar as “vivências” do dia anterior, o espelho repetiu, repetiu e voltou a repetir ao pormenor cada lembrança e memória do dia anterior, mas continuava a não encontrar o que não sabia que procurava.

Foi então, enquanto recordava a dança e as palavras trocadas pelo casal, enquanto viu o reflexo do seu amor que tudo parou! Pois foi nesse momento que ele encontrou o que sempre procurara sem saber… o seu reflexo! Viu como tinha uma forma retangular, como era alto (talvez numa tentativa de tocar o inalcançável céu), como à sua volta se encontravam duas serpentes que o embelezavam, serpentes essas que se encontravam entrelaçadas na base, porém com as cabeças ameaçadoramente voltadas uma para a outra. “Talvez as duas serpentes representassem metaforicamente o ser-humano: todos partilham a mesma base (fisiologicamente e emocionalmente, pois há sempre, pelo menos, uma emoção dentro de cada um) mas todos tomam rumos e decisões únicas e distintas.”, pensou o espelho.

Não poderei dizer ou descrever como o espelho se sentiu. Não poderei afirmar se o espelho apreciou, ou não, o que viu, pois, a verdadeira imagem de cada um pertence única e exclusivamente a si. O que, sim, vos posso confidenciar é que o espelho ficou incrivelmente alegre ao perceber que tudo o que sempre precisou de fazer fora procurar o seu reflexo no espelho da alma de cada pessoa que alguma vez refletira. Foi, então, que o espelho encontrou, ironicamente, a chave que abriria a porta de uma liberdade até então desconhecida.

A partir desse eterno momento, ele soube, o espelho soube que estava completo. Soube que cumpriu um propósito. A partir desse momento o espelho aprendeu a dizer o, tão temido “adeus”.

E assim termina, de uma maneira calma e subtil, o conto sobre o espelho que aprendeu a ver para além do reflexo físico das memórias. Esta é a história que ensina a quebrar e destruir barreiras, que ensina a dizer “olá” e “adeus” sem medos, que nos ensina a recordar. Este é o fim do conto em que um, peculiar e singular espelho conhece a liberdade através da maior das ironias do destino.

 

Beatriz Ferreira,10ºE

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O Degelo

 

Quando a densa neblina inicia a sua caminhada pelos montes até Vétheuil, os aldeãos sabem que em breve o inverno despedir-se-á para dar lugar ao verdejante março primaveril. É nesta fase do ano que o gelo que enrijece as águas do Sena começa a desvigorar, quebrando-se em cristais cintilantes que se dissolvem nas suas correntes sem direção.

Não havia ninguém na pequena vila de Vétheuil que conhecesse melhor a personalidade ríspida e austera do Sena, senão o cortador de gelo Jerôme. Alto, robusto, meigo, de faces encardidas, liderava o negócio da família que sonhava ceder um dia ao seu filho mais novo, Gustave. Mas, infelizmente, naquele ano o negócio tinha registado um grande abalo, uma vez que a vila tinha sido vítima de um surto de gripe e, consequentemente, não havia a mão-de-obra necessária para recolher gelo suficiente antes da primavera. Por isso Jerôme, os empregados habilitados e até o seu filho Gustave foram obrigados a trabalhar o dobro até ao último suspiro do inverno.

Naquele dia de finais de março, a manhã tinha acordado particularmente bem-disposta, principalmente para Gustave, que acabara de sair de casa com a sua sacola, uma boina que lhe escondia as orelhas, um serrote da altura do seu corpo e um casaco de pelo de carneiro costurado pela sua mãe. Gustave começara a correr desde que tinha saído de casa e, sem explicação, atravessou a vila como se esta o tivesse atravessado a ele. De repente, já fora de Vétheuil, o rapaz parou junto a um tronco de árvore seco, abriu a bolsa e tirou um osso de bovino.

– Olá amigo! Olha o que trouxe! – Disse ofegante.

De súbdito, entre a neve e o velho tronco, espreita um focinho curioso estimulado pelo cheiro daquela iguaria. Sorrateiramente do focinho à cauda, a criatura revelou-se por completo, era um temível lobo branco. Porém, Gustave não sentia dessa maneira, acreditava ter uma forte ligação com os animais e a natureza e por isso, desde o dia em que encontrou a criatura das montanhas perdida na planície gelada, sentiu a obrigação de cuidar dela.

Enquanto o lobo devorava o osso, vorazmente, o rapaz fez-lhe uma festa carinhosa e levantou-se. Ele sabia que a neblina cálida das montanhas não terminava a sua caminhada até a primavera chegar.

– Anda Lune. Temos de ir. – Gritou o rapaz já a afastar-se.

Assim o rapaz e o lobo caminharam pela paisagem invernosa até aos campos nacarados que cobriam o rio Sena. Quando lá chegaram, Gustave juntou-se aos outros trabalhadores enquanto Lune, já conhecido de todos aqueles homens, foi rebolar-se nos corpulentos montes de neve até ambos serem um só.

Gustave cortou gelo durante todo o dia até o seu pai lhe pedir que levasse o último trenó com gelo ao palacete da família Chassagne. Era uma tarefa que agradava especialmente ao rapaz, uma vez que poderia passar, vangloriosamente, a carregar gelo em frente da bela menina Constance Chassagne. O luminoso palacete ficava à beira do rio que, agora congelado, servia de trilho para transportar os trenós com mais facilidade.

– Rapaz! Rapaz do gelo espera! – Suplicou-lhe uma doce voz.

Gustave olhou tão rápido para trás que a cabeça quase não teve tempo de acompanhar os olhos. Era Constance! Alta, de cabelo claro, olhos de mel e perfil primoroso, a menina-bem vinha calmamente a deslizar pelo gelo, com os seus patins encarnados, em direção a ele.

– Rapaz do gelo, levas-me no teu trenó? – Perguntou.

– Claro que sim! – Balbuciou Gustave numa decisão pouco refletida.

No entanto as suas palavras pareceram suficientes para que a rapariga levantasse com cuidado o seu vestido bordô e se sentasse confiante no trenó. Gustave empurrou-a com cuidado, visto que até aquele dia só tinha empurrado inexpressivos cubos de gelo.

Os dois deslizaram pelas águas congeladas do Sena. Gustave não conseguia ver a face de Constance, mas naquele momento isso pouco importava, era impossível esconder aquele sorriso que ficava cada vez mais pesado sobre a capa de gelo, cada vez mais fina, que cobria o rio.

– Por favor rapaz para aqui! – Pediu alegremente a rapariga.

Gustave parou o trenó e Constance saltou de imediato. Ela caminhou com frágeis passos e ficou em silêncio. O rapaz esperou, talvez agora, ela lhe fosse perguntar finalmente o seu nome.

De repente, ouviu-se um uivar tão agudo que Gustave se desequilibrou sobre a película de gelo.

– Rapaz do gelo olha ali! Uma fera! – Gritou aterrorizada Constance.

– É o meu lobo! Deve estar apenas a chamar-me – Acalmou-a Gustave.

Porém Gustave já não estava calmo. A neblina tinha-os, entretanto, cercado a todos e o lobo não estava lá para o chamar, mas sim para o avisar. O rapaz sentiu os lábios gretados do frio fecharem-se para engolir em seco. O degelo tinha começado.

– Constance não te mexas! – Ordenou Gustave.

Mas era tarde de mais. Eles haviam sido imprudentes e as rachas eram cada vez mais profundas num gelo progressivamente mais fino. O uivo alarmante de Lune tornou-se ensurdecedor, a neblina cegava-os e Constance desaparecera nos seus próprios gritos de terror. Gustave sentiu-se impotente. Caminhar em direção a ela poderia quebrar o gelo. De súbito ouviu-se um estrondo tremendo, o peso do trenó tinha aberto uma fenda no gelo e a água aprisionada envolveu rapidamente os pés dos jovens.

– Gustave! – Gritava a voz Jerôme que se aproximava numa barcaça.

O rapaz queria responder, mas estava demasiado apavorado com a situação. Deitado sobre uma placa de gelo, Gustave sentiu na escuridão daquele momento algo quente a tocar-lhe na cara. Era a língua de Lune, ele viera para o salvar. Apesar de estar em pânico, Gustave não precisava de ajuda, filho de um cortador de gelo, teria sido habituado a vida toda a lidar com uma situação daquelas. Era Constance quem estava em perigo e Lune entretanto entendera, saltando agilmente pelas placas de gelo em socorro da rapariga. Gustave viu Lune a puxar a rapariga pelo vestido bordô já ensopado, numa tentativa de a retirar das águas geladas do Sena. Mas a natureza prevaleceu, o vestido rasgou-se e as correntes do degelo engoliram a rapariga. No mesmo instante, Gustave foi agarrado pelos braços do seu pai que o colocaram na barcaça. Lá dentro estava também o Sr. Chassagne como um expectador de um pesadelo.

– Foi o lobo! O lobo matou a minha filha! – Gritou ele, afogado em desespero.

Lune, com um pedaço do vestido bordô na boca, rosnou ameaçadoramente para os homens, sentindo-se traído e assustado. Parecia o culpado perfeito. Gustave teve medo, odiava-se por não ter sido prudente mas não teve coragem de assumir a culpa da perda de Constance. Lune percebia sempre tudo. Gustave acreditara ter uma forte ligação com os animais e a natureza, mas essa ligação havia-se perdido. Lune abandonou Gustave e escondeu-se na neblina dos montes onde a vingança do povo de Vétheuil jamais o pudesse encontrar.

 

Rodrigo Branco, 10º E

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Messias, o pinguim “revolucionário”

 

Tudo se passa num futuro “frio” e longínquo, mas não tão longínquo como desejado. Eu diria, sem certeza absoluta, que tudo se passa no século seguinte ao nosso, no século XXII, portanto. Num lugar que não é mais o que outrora fora, devido aos habitantes do passado, não aos daquele lugar em específico, mas aos de praticamente todos os outros, aos que habitaram o conjunto de todos os lugares, o Mundo, o Planeta Terra. Esse mesmo lugar, cujo nome ninguém sabe agora (apenas se sabe que existe um relativamente idêntico, na outra extremidade do planeta, e que ambos já terão sido muito diferentes, maiores, mais frios e ocupados) é praticamente desabitado, sobrando apenas uma pequena população de pinguins, uma raposa branca, um urso polar e um iceberg. Contudo, continua a ser dos poucos, senão mesmo o único local onde existe vida.

Certo dia, com certeza num dia que parecia ser igual a todos os outros, algo que agora era raro acontecer, aconteceu. Nasceu um pinguim, pinguim esse que recebeu o nome de Messias, o que se torna até engraçado visto que o seu nascimento foi quase um “milagre”. A verdade é que o mundo estava mudado desde a última realidade conhecida e, cá por estes lados, andavam todos muito desanimados, ninguém tinha vontade de falar, sorrir ou fazer qualquer outra coisa, daí ter-se tornado rara e estranha a ocorrência de comunicações e relações entre seres e, acima de tudo, de nascimentos. Mas, como já puderam perceber, isto acabara de mudar.

Francamente, até a velocidade das coisas, dos desenvolvimentos e dos acontecimentos era estranha, era extremamente rápida, tão rápida que não tardou nada até Messias ser ainda pequeno, obviamente, mas já crescido o suficiente para falar e andar, o que costumava demorar largos meses ou até mesmo anos. Por outro lado, a duração dos dias estava maior, o que significa que situações que antes se passariam em vários dias, agora podiam passar-se apenas num.

Assim, nesse mesmo dia, Messias decidiu começar a explorar a vida e o lugar ao qual chamaria “casa”, acabando por ouvir uma conversa entre a raposa e o urso sobre algo que lhe despertou curiosidade.

– Como este lugar era e como ficou! – exclamou a raposa triste e a suspirar.

– Podes crer. Aqueles monstros egoístas destruíram isto tudo. O degelo atacou-nos bem aqui e agora não sei o que podemos fazer… – retorquiu o urso.

Ao ouvir isto, Messias, agora ainda mais curioso, decidiu interromper.

– O degelo? Mas quem é o degelo? – perguntou o pequenote.

Rapidamente, foi também interrompido pelo iceberg, que alto e agressivamente, em parte por ter sido quem sofreu diretamente e com maior intensidade com a situação do degelo, pois viu todos os seus entes amigos e companheiros partir e nada pôde fazer, lhe disse:

– Não é quem, seu idiota. Pergunta antes o que é o degelo?

A questão é que, na verdade, nenhum deles sabia ao certo explicá-lo. Eles conheciam a palavra devido ao facto de sempre a terem ouvido e dela se referir a um tema que nunca foi esquecido nem resolvido e que, pelo contrário, sempre se manteve atual, e sabiam que o degelo estava relacionado com o derretimento ou descongelamento daquele e de outros locais onde era normal e necessária a presença de neve, gelo, glaciares e icebergs, mas não conheciam o suficiente do tema para o explicar a um miúdo tão pequeno de maneira a que ele entendesse. Na verdade nem foi preciso, pois a conversa tomou outro rumo.

– Ei, calma lá ó maldisposto! O miúdo não sabe da história, estava apenas curioso. – interveio a raposa em defesa de Messias.

– Pois é. Pequenote, desculpa lá, ele só reage assim porque esteve muito envolvido e saiu muito prejudicado com toda a situação relacionada com isso e agora odeia falar sobre tal, mas não lhe ligues, não é nada contigo e isto já lhe passa. – acrescentou o urso.

– Olha, se quiseres, vens connosco e… – sugeria a raposa antes de ser também interrompida por Messias.

– Não, deixem estar. – disse Messias assustado depois de ver a discussão que tinha causado a sua curiosa pergunta, desaparecendo logo a seguir.

A parte seguinte do dia passou-se sem mais discussões nem perguntas, mas este acontecimento era só a prova de como, agora, depois de Messias, as coisas voltariam a mudar, para melhor, esperava-se.

No entanto, nessa tarde, algo ainda mais estranho e completamente inesperado, algo impossível de imaginar, surgiu no tal lugar. Era um dos inimigos daqueles e da grande maioria dos animais alguma vez existentes.

– Sim, é um daqueles seres que agora vivem em Marte porque a Terra já não é perfeita para eles, já está muito danificada. Acho que são chamados de Homens, de Humanos. – explicou o urso

– Mas o que faz um deles de volta à Terra? Ainda para mais num dos poucos lugares onde, apesar de pouca, ainda existe vida? Será que vem para acabar com o resto, para que o mundo fique novamente disponível para eles arranjarem as condições necessárias à sua sobrevivência? Mas isso não faz sentido… – estas eram as perguntas para as quais tanto se desejava uma resposta por ali, mas agora o mais importante era isto ser comunicado ao resto dos habitantes, visto que apenas o iceberg e o urso, o iceberg por ser o único que estava sempre fora de casa e o urso porque estava de passagem naquele momento presenciaram a sua chegada.

O tal homem tão temido era um cientista que estava de volta à Terra para investigar e estudar o atual estado desta, se ainda havia vida e onde, se os lugares estavam mais ou menos iguais, enfim, essas coisas que os cientistas tanto procuram, mas claro que os nossos pobres animaizinhos não sabiam desta parte.

A notícia espalhou- se depressa, o iceberg contou ao urso, o urso à raposa e assim sucessivamente até estarem todos informados, incluindo o nosso pequeno Messias que, curioso como era, não tardou em fazer perguntas para as quais ninguém tinha uma resposta.

O cientista foi-se naturalmente aproximando, procurando fazer o seu trabalho, até que acabou por dar de caras com os nossos animais, os últimos resquícios de vida daquele planeta. Estes, ao depararem- se com a situação, tentam ficar imóveis e fazer o tão conhecido truque de “fingir-se de morto”. Contudo, existia um miúdo Messias na comunidade e, como é claro, este não aguentou muito tempo calado e quieto, acabando por “desmascará-los” a todos.

Depois de se aperceber da situação, de que ainda havia vida na terra e que esta estava toda ali, à sua frente, o cientista fica pasmado e “paralisado de alegria”, ele não conseguia parar de sorrir. Passados uns minutos, quando voltou a si, lá se decidiu a atacá-los com fotografias e a comunicar à sua equipa ou a quem quer que fosse que o acompanhava do outro mundo, tudo aquilo que ali descobrira. Mas é óbvio que isso foi o suficiente para que começasse a sofrer ofensas e ameaças com intuito de autoproteção.

– O que é que tu queres, ó inútil? Não tens um planeta para ajudar a destruir? – gritou a raposa muito chateada, mas igualmente assustada.

– Sim, se não saíres sozinho daqui, nós tratamos de te tirar. -complementaram os restantes habitantes em coro.

Perante esta conversa, o cientista apercebeu-se do quão magoados os animais viviam e dos reais estragos que os humanos tinham provocado naquele planeta e obviamente que tendo em conta a sua profissão, era das pessoas que mais lamentava e que mais se arrependia de tal coisa.

– Não vos vou magoar! – disse calmamente. Sou um cientista e vim estudar as coisas por aqui. Sou vosso amigo, estou do vosso lado.

A aproximação deste com a comunidade não foi fácil, mas com o tempo as coisas foram melhorando, a comunidade foi-se apercebendo que aquele ser humano em específico não queria nem estava ali para lhes fazer mal, antes pelo contrário, agora que os tinha descoberto, o cientista só queria protegê-los. Chegaram mesmo a tornar-se grandes amigos, principalmente Messias e o tal cientista. Messias foi a salvação daquela comunidade porque só ele foi capaz de os fazer voltar a falar e a unir-se uns com os outros quando preciso, só ele teve a inocência necessária para acreditar no cientista e assim permitir uma segunda oportunidade tanto para ele como para a comunidade e só ele foi capaz de ver, presenciar e depois mostrar o lado bom da vida (composto pelas amizades, por exemplo) até contagiar todos os outros com isso, dando origem a uma nova época de felicidade.

Infelizmente tudo acabou, ou pelo menos foi o que todos eles pensaram quando se soube que o humano precisava de voltar ao seu mundo, o que realmente aconteceu. Chegou o dia da tão triste despedida e com muita tristeza e choro à mistura, o cientista partiu. Mas partiu com o coração destroçado, de tal maneira que em Marte não conseguiu esquecer-se dos seus novos amigos e assim, contando a história do que vira, das condições em que os pobres animais viviam por culpa humana, conseguiu que fossem criadas leis contra quem maltratasse um animal ou qualquer outro aspeto que pudesse pôr em causa a sua sobrevivência, ou seja a Natureza, sendo que desta vez era mesmo obrigatório o amor aos animais e ao planeta, os humanos não eram mais seres superiores, o que tornou novamente possível a coexistência da espécie humana e de todas as outras espécies animais (se estas de alguma maneira voltassem a existir) desta vez no planeta Marte, o que também poderia dar tempo ao planeta Terra para recuperar, e quem sabe mais tarde voltar a poder suportar vida.

 

Assim, acho que uma das conclusões e das morais desta história pode ser o não sermos tão egoístas ou injustos com alguém que achamos ser inferior (porque isso não existe), pois quando menos esperarmos vamos descobrir o quão essa pessoa é melhor que nós em alguns aspetos (o que também não a torna superior a nós, só mais correta), a capacidade que ela tem em perdoar, em amar-nos ou pelo menos respeitar-nos e tratar-nos bem, mesmo apesar de todo o mal que nós ou alguém igual a nós lhe fez. Acho que esta história mostra que podemos todos ser melhores e que se o fizermos tudo se torna bem mais fácil, melhor e mais feliz.

 

Sara Moreira, 10º E

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Naufrágio

 

Ao fim de tantos anos as vozes ainda ecoavam na sua cabeça.

– Marinheiros, a bombordo! – gritava o comandante sabendo, no entanto, que já era tarde, a quilha do navio tinha embatido nos rochedos e a tempestade abatia-se sobre eles. Todos temiam o inevitável, uns rezavam, outros tentavam fazer com que o barco se mantivesse estável enquanto outros começavam a preparar os botes salva-vidas. Joshua Farrel agarrava-se, com todas as suas forças, ao mastro do navio. Ele era um novato que temia o mar e que apenas tinha entrado naquele cargueiro por desespero. Tinha de encontrar uma forma de ajudar a família a sair da pobreza em que viviam. Naqueles momentos de pânico, Joshua só conseguia pensar na cara de tristeza da mãe ao vê-lo a embarcar.

O mar sempre fora temido pelas pessoas da aldeia de onde o navio tinha partido. A maioria dos barcos que por ele se aventuravam não regressavam e com cada embarcação perdida, aumentavam as lendas e histórias.

Alguns marinheiros começavam a desesperar e a pedir aos céus por algum milagre. Já as ondas cresciam cada vez mais ameaçando destruir o navio em mil pedaços. Joshua, que continuava agarrado ao mastro, olhava em volta e tinha vontade de chorar, mas isso não serviria de nada. Olhou então para a lua, que brilhava no seu esplendor e lembrou-se de todas as boas razões que tinha para viver e decidiu que não poderia continuar ali sem fazer nada. No exato momento em que Joshua se soltou do mastro, uma onda enorme atingiu o navio destroçando-o. Ele saiu disparado pelos ares e caiu no meio do vasto oceano.

Pensou que tinha morrido mas, no meio da escuridão da noite, voltou a ver a lua que lhe pareceu mais bela, branca e brilhante do que nunca. Com esforço, Joshua nadou para junto de alguns destroços e agarrou-se a um pedaço de madeira que flutuava. Sabia que a partir do momento em que entrara na água, não podia fazer mais nada do que esperar que a tempestade parasse. Desfez-se em lágrimas e pensou de novo na mãe que, no porto, lhe tinha implorado que não partisse.

Joshua ouviu gritos à sua volta, mas não conseguia identificar de onde vinham. No meio de todos os ruídos do mar e dos gritos no meio da escuridão, houve um que lhe chamou a atenção. Olhou em volta procurando entender quem gritava por socorro, mas as ondas erguiam-se como enormes catedrais, impedindo-o de ver.

– Eiii… rapaz… psst…- ouviu Joshua. Olhou de novo à sua volta e viu a poucos metros de si um velho homem que chamava por ele.

– Como te chamas? – perguntou o velho.

– Joshua… Farrel – respondeu.

– Não chores, Joshua. Vamos safar-nos desta alhada! – disse o velho tentando esboçar um pequeno sorriso. Mas a tristeza e o medo também o invadiam e acabou por fazer uma estranha cara no esforço para sorrir.

Apesar da difícil situação em que se encontravam, sentiram algum alento juntos. O velho disse a Joshua para não se debater e deixar-se seguir com a corrente. Com sorte, ambos seriam arrastados para a costa e acrescentou “O esforço é grande e o homem é pequeno (1) ”.

Quando, anos mais tarde, se sentava com o velho marinheiro Camron Wallace no café da aldeia era sempre com emoção que reviviam aquele naufrágio. Wallace conseguia tornar aquele episódio numa aventura, acrescentado detalhes que Joshua sabia não serem exatamente verdadeiros, mas que encantavam quem os ouvia. Ao contrário do velho marinheiro, que o salvou, Joshua não voltou a embarcar, mas guardava pelo mar um emocionado respeito.

 

 (1)Referência ao poema “Padrão” em Mensagem de Fernando Pessoa.

 

Alba Naien Amado Fernández, 10ºG

 

 

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Perdida na floresta

 

Simone acordou bruscamente numa manhã de outono, tinha tido um pesadelo! Abriu os olhos, estava a ocorrer naquele preciso momento o nascer do sol. Sentou-se na cama e ficou a observar até o sol aparecer na sua totalidade. Simone foi arranjar-se e quando se olhou ao espelho, viu uma menina jovem com cabelos castanhos e encaracolados que estavam presos a duas tranças, olhos azuis-claros como o céu, um rosto maravilhoso e um corpo pequeno e frágil mas de certa forma elegante.

A rapariga vagueou pela sua casa a ver se já estava alguém acordado mas toda a sua família ainda se encontrava num sono profundo. Os pais de Simone nunca lhe permitiram que caminhasse sozinha, pois receavam que lhe acontecesse algo de mal, mas como estes estavam a dormir Simone decidiu ir passear sozinha pela floresta mais perto. Vivia numa pequena casa perto de Montpellier, uma cidade no sul de França, que era conhecida pelas suas paisagens lindíssimas só que pelos pais dela serem tão reservados, ela nunca teve oportunidade de as ver. Fechou a porta e direcionou-se para a esquerda.

Passados dez minutos a caminhar, já avistava a floresta. Quando se aproximou, Simone encontrou-se num impasse, ou seja, por um lado ela queria ir, estava curiosa e esta poderia ser a única oportunidade de passear por ali mas, por outro lado, não conseguia parar de pensar nos pais a explicarem-lhe que era perigoso e também tinha medo que eles acordassem e descobrissem que ela tinha ido passear. Entretanto, a curiosidade acabou por conseguir seduzi-la.

A menina, ao entrar, ficou deslumbrada com todos os novos tipos de árvores que estava a ver pela primeira vez ao seu redor, começou a caminhar cada vez mais para o interior da floresta e, de repente, no meio do silêncio, ouviu um barulho que a assustou. Simone ficou quieta a tentar perceber a origem desse ruído. Passados uns minutos, voltou a ouvir o mesmo rumor só que mais intensificado o que provocou nela uma sensação de medo. Começou a correr… Quando Simone achou que já não estava em perigo, parou e ficou uns minutos a tentar repor o ritmo da sua respiração. Mais calma, começou a olhar à sua volta, porém apercebeu-se que estava perdida. Entrou em pânico e desatou a andar em todas as direções e a tentar reconhecer alguma coisa.

Passadas umas horas a caminhar, sem nenhuma sorte de ter encontrado o caminho de volta para casa, Simone, já cansada, desistiu e acabou por adormecer. Ao sonhar, viu uma paisagem deslumbrante de um lago de tamanho médio, de água tão transparente e tão imóvel que refletia na perfeição o céu e as suas nuvens. Quando acordou, Simone entendeu que o sonho foi um sinal do Universo a indicar-lhe as direções para conseguir chegar a casa.

Levantou-se com algumas dores no corpo, já que o chão onde dormiu não se podia considerar exatamente confortável, e começou a caminhar. Passados poucos minutos, Simone avistou o lago com que sonhara e dirigiu-se a ele. Ao chegar, observou um pássaro muito pequeno que estava a olhar diretamente para ela e parecia estar ali com o objetivo de esperar por ela. Simone ficou a admirar a sua beleza e, de repente, o passarinho abriu as asas e começou a voar. Ela teve o instinto de o seguir e começou a correr atrás dele até que, subitamente, desapareceu. Simone começou a ficar desesperada, pois achava que o pássaro era o único que a conseguia salvar. Todavia, quando deu por si já se encontrava novamente à porta da floresta.

Simone, extremamente cansada, com dores pelo corpo todo, com fome e sede, foi a andar muito lentamente para casa e quando chegou avistou o seu pai que estava a lavrar a terra, correu na sua direção e abraçou-o mais forte do que nunca.

 

Catarina Fernandes, 10 G

 

 

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Jarro com Rosas

 

Penso que a história desta obra seja das mais profundas e bonitas que conheço. Representa mais do que aquilo que vemos, sentimos e algum dia poderíamos ouvir sobre ela. Para qualquer outra pessoa normal, este quadro representaria um jarro qualquer com flores. Se olharmos com mais atenção ainda podemos dizer que é um jarro com uma forma arredondada, transparente com onze rosas. Não o conseguimos ver de outra forma, também porque não tentamos, mas o meu avô sempre me disse que julgamos que conhecemos algo ou alguém pelo que os nossos olhos veem sem nunca nos apercebermos exatamente do que nos tenta transmitir.

Este quadro foi pintado por um francês, Henri Fantin-Latour, um nome desconhecido para muita gente, imagino. Para mim, significa mais que isso. Este senhor está relacionado com a minha família e confesso que sempre fui muito apaixonada por tudo o que me ligava a ele. Um primo muito afastado, quinto grau acho que se pode dizer. Não há ligações evidentes entre nós, mas acho que a mais forte é, e sempre será, algo que está presente na alma e na maneira como consigo encontrar aquilo que seja o verdadeiro significado de cada pintura feita por ele.

O meu avô guardava algumas criações suas no sótão e, desde pequena que me lembro de ir lá apenas para as ver e as recriar, dando por mim a observá-las atentamente. Cada vez que tinha uma nova ideia que pudesse estar certa sobre algum trabalho, escrevia-a num papel e colocava-o no espaço entre a tela e a madeira da parte de trás.

Este, em particular, representa uma história de amor, curioso não é?

Então vou contá-la desde o início.

 

 

Henri era um jovem normal, e como qualquer um naquela altura provavelmente teria o seu casamento arranjado, por dinheiro ou por poder. Não querendo isso, buscava sempre conhecer novas pessoas, novos sítios e novos hábitos, e sempre acabava por se desentender com os pais. A verdade é que tinha muitos amigos, era uma pessoa simples e calma mas, mesmo assim, não sabia o que era o amor. Nunca encontrou ninguém por quem pudesse apaixonar-se de verdade. Até um dia. O dia em que conheceu Rose que, para ele, era uma mulher diferente e que, diante dos seus olhos, não só era encantadora como era única.

A única coisa diferente do que podia ser uma linda e duradoura história de amor era o tempo que lhe restava. Henri esperou tanto tempo que acabou por envelhecer. E com o tempo não só veio a idade como também os problemas. Estava doente e encontrava-se no hospital, já que se tinha tornado incapaz de viver sozinho. Um dia, por acaso, recebeu no seu quarto uma senhora, já de idade também. Era uma pessoa um pouco particular pelo que a sua doença trazia. Depois de apenas alguns dias partilhando o quarto, ambos riram muito e por meio de risadas Henri percebeu o porquê de ela estar lá. Rose estava possivelmente nos seus últimos dias, graças à sua condição psicológica, um estado bastante avançado de Alzheimer. Em cima da cómoda, ao lado da sua cama, Rose guardava, todas as semanas, uma pequena flor que ambos haviam apanhado no jardim do hospital, pois no único dia em que podiam sair, ele levava-a até lá.

Até ao dia em que ela o deixou, e essa flor passou a ser a única recordação que teria dela para sempre. Apesar da dificuldade, conseguiu que lhe arranjassem uma tela e algumas cores. Nos seguintes dias, começou a pintar aquele quadro, que ficou conhecido por ser o último.

Depois desta história acho que já é possível associarmos cada elemento ao seu significado: decidiu pintar flores por ser o que mais faziam juntos, o facto de serem rosas pelo nome dela e uma vermelha que nos transmite que ela foi diferente na sua vida, como se a sua presença lhe trouxesse cor. As flores mais velhas representam a velhice e as mais recentes a aprendizagem do que realmente era o amor, que o fazia sentir tão jovial.

Diz-se que pouco tempo depois faleceu, mas que o quadro ficou, até esse dia, pendurado na parede em frente da sua cama do hospital para que fosse a primeira coisa que via quando acordava e a última quando ia dormir.

 

Madalena Rosa, 10.º G

 

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O segredo da montanha

 

Há muito tempo atrás, numa montanha duma pequena aldeia japonesa, morava um velho muito inteligente que gostava de passear pela natureza. Todos os dias atravessava a velha ponte, que cada vez lhe parecia mais frágil, em direção à montanha onde vivia. Por esta ponte já tinham passado muitas pessoas e animais, que foram deixando as suas marcas e as suas histórias.

Esse homem, apesar de não ter tido muitos estudos, era conhecido pela sua grande sabedoria. As pessoas da aldeia consultavam-no, tinham grandes conversas com ele, demonstrando uma grande admiração. Mas prevalecia um mistério, que era qual a origem da sua sabedoria.

O velho vivera naquela montanha desde a sua infância. Nunca de lá tinha saído para percorrer o mundo. Daí surgirem tantas perguntas a respeito da origem do seu conhecimento e da sua sabedoria.

O velho tinha um amigo que estava encarregado de lhe levar livros para ler e que lhe perguntava que tipo de livros é que ele preferia. Ele respondia-lhe que preferia livros velhos, escritos à mão, alguns deles já esquecidos. Daqueles que já não têm importância e de preferência os que já estivessem quase apagados pelo tempo.

Um dia apareceu na aldeia um jovem que tinha ouvido falar do velho da montanha, que sabia tantas coisas da vida. O jovem queria conhecê-lo para saber qual a fonte da sua sabedoria.

O velho raramente tinha visitas e por isso recebeu muito bem o jovem. Este agradeceu-lhe o tempo disponibilizado e começou por lhe perguntar porque é que ele preferia livros mais antigos.

O velho respondeu-lhe que os preferia, porque esses livros antigos eram escritos à mão e tinham alma.

-“Antigamente as pessoas tinham mais tempo para escrever pausadamente, e colocar nos livros todas as palavras possíveis que cabem na escrita”- afirmou o velho.

O rapaz ficou intrigado com a resposta e ficou a pensar como é que aquele velho, que vivia na montanha, quase isolado do mundo, conseguia extrair o espírito dos livros. Então perguntou-lhe como é que ele conseguia interpretar tão bem os textos. O velho respondeu-lhe que, embora isso não se pudesse ensinar, ele o levaria a fazer uma caminhada pela montanha. E assim fizeram.

No dia seguinte, partiram de manhã cedo e percorreram os caminhos que o velho tão bem conhecia. Durante o passeio, o jovem teve oportunidade de contemplar as maravilhosas paisagens, constituídas por montes cobertos de neve e pela rica flora e fauna associadas aos climas frios. Ao caminharem pela montanha, esta cantava, juntamente com os pássaros, uma bela melodia natural.

Regressaram ao fim desse dia, cansados, mas especialmente inspirados pelos belos momentos que a natureza lhes proporcionou.

– “Talvez seja essa a origem da sabedoria do velho” – pensou o jovem.

Já em casa, o jovem insistiu com o velho perguntando-lhe porque é que ele não gostava de livros novos e o velho respondeu-lhe que quando era criança o pai, para se livrar do frio duma longa noite de inverno, teve de queimar livros para o poder aquecer.

– “Assisti ao meu pai a queimar os livros, página por página” relembrou o velho.

Essa experiência marcou-o muito e foi a partir daí que ele deixou de ler livros novos. Não é que ele os rejeitasse, mas esses traziam-lhe tristes recordações.

A partir daquele dia o velho prometeu que não voltaria a ler nenhum livro novo, por respeito pela memória do seu pai, que queimara livros para lhe salvar a vida.

O jovem ficou maravilhado com as palavras do velho da montanha e, em silêncio, permaneceu junto dele. O jovem decidiu prolongar a sua estadia na montanha, pois enquanto o velho quisesse viver, ele ali ficaria, para ouvir contar as histórias que o mundo não quis saber.

 

Ricardo Lavoura, 10.º G

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A luz

 

Num chuvoso e cinzento dia de inverno, um homem viúvo, magro, de pele pálida e cabelos brancos, olhava profundamente para uma tela em branco, sem inspiração alguma. Tinha a mente vazia como o seu coração, mas à medida que as pingas de chuva batiam na janela da sua sala, o homem pegou delicadamente num dos seus pincéis e começou a pintar a tela branca que se tornou num quadro de escuridão. Enquanto pintava sentia-se cada vez mais preso dentro do seu próprio sofrimento.

Finalmente acabou o quadro, apenas faltava assinar. Nesse momento, viu uma luz tão forte, uma luz que nunca tinha visto antes, uma luz que brilhava de uma maneira diferente e que ele podia olhar para ela que não ficaria encadeado. Através dessa luz, viu a sua mulher vestida de noiva a aproximar-se. O homem fechou os olhos com força na esperança que aquela visão passasse, mas quando os voltou a abrir tinha sido teletransportado para o momento em que conheceu a sua amada.

Flor era uma jovem bela, de 17 anos, que vivia na cidade. Tinha entrado numa escola de pintura e era o seu primeiro dia. Para o primeiro projeto, tinham de fazer pares e fazer retratos dos parceiros. Ela ficou com o rapaz do campo, calado e extremamente talentoso que tinha o nome de Otávio.

O pintor, agora conhecido por Otávio, estava a reviver um momento marcante na sua vida – o retrato que ele tinha feito da sua parceira de trabalho foi o que conquistou o coração dela. Otávio estava a ver aqueles momentos como espectador e não conseguia interferir com o que se estava a passar. Sentia-se no cinema, mas estava a ver a sua própria vida.

De um momento para o outro, via um jantar que tinha tido com Flor… porém, não era um jantar qualquer, era o jantar em que tinham começado a namorar. Otávio conseguia sentir o nervosismo que o seu antigo eu estava a passar, a sua belíssima companheira tinha um vestido azul de veludo e ele tinha vestido uma camisa branca e umas calças pretas que lhe faziam imenso calor, mas eram as mais bonitas que tinha. Depois de muita conversa, ambos sentiram a ligação enorme que tinham, e então, naquela noite de verão, deram início a uma relação que duraria uma vida.

Otávio via os momentos a passar tão rápido que nem conseguia olhar bem para a sua amada, de quem tinha umas saudades inexplicáveis que mais ninguém as conseguiria sentir! Quanto mais via os momentos que tinha passado com Flor, maior era o sentimento de dor e de falta. Sentia-se como se alguém entrasse dentro dele e tirasse toda a alegria e felicidade que ainda tinha dentro de si… apenas sentia o vazio enorme que a sua amada tinha deixado.

A imagem da noiva voltou e estavam lá todos… no casamento. Esse momento estava guardado num sítio muito especial no coração de Otávio, pois todos os sentimentos vividos naquele dia tão especial não poderiam ser esquecidos nunca. O momento do “aceito” chegou e ambos os noivos o disseram, os sinos tocaram, os apaixonados fugiram e aquela memória acabou.

Os dois apaixonados estavam em Oise, uma região no norte de França. Otávio queria muito visitar o rio Oise, pois era um grande desejo que a sua mãe tinha mas que nunca tinha conseguido realizar e ele queria visitar o rio em sua homenagem. O sonho da jovem Flor era visitar o museu do Louvre e o jovem Otávio adorava fazer a felicidade da sua amada. Então fizeram um desvio na sua viagem e foram a Paris que tinha o que ambos gostavam, pinturas. O Otávio, mais velho, apreciou aquela viagem mais uma vez, observando os momentos passados lá, com a pessoa que mais amava no mundo.

Numa transição radical, Otávio fechou os olhos e quando os voltou a abrir estava no dia em que tudo começou a desmoronar, o dia em que a doce e gentil Flor foi diagnosticada com cancro. Otávio não tinha forças suficientes para aguentar aqueles momentos de novo… então fechou os olhos e estava no funeral da sua querida e amada Flor. Ele tinha um sentimento de culpa por não ter dado uma vida melhor à sua mulher. Ela queria ser uma artista, mas com o pouco dinheiro que tinham não conseguiam comprar materiais para tal.

Otávio voltou ao presente, ao dia em que fazia um ano que a sua mulher tinha morrido e, por este motivo, resolveu pintar um quadro em sua homenagem, o quadro que estava prestes a assinar antes da luz lhe bater nos olhos e reviver aqueles momentos todos que viveu.

Tinha voltado à realidade, assimilou tudo o que tinha acabado de acontecer, respirou fundo e novamente a luz especial iluminou, ainda com mais força, tudo à sua volta. Otávio viu a sua delicada Flor a caminhar para perto de si, dizendo:

– Dá-me a mão e eu levarei esse sofrimento que sentes para longe.

Otávio deu a mão sem hesitar à pessoa em quem mais confiava, a quem sempre o respeitou e sempre o amou. Flor levava-o para cada vez mais perto da luz misteriosa, até que todo o corpo do homem foi transformado em luz.

Otávio tinha falecido, mas a mão que o levou transformou-o num ser de luz e seres de luz não morrem.

 

Teresa Galvão, 10ºG

 

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As peripécias de dois marinheiros

 

Os mares e oceanos são locais bonitos e feios, calmos e agitados, seguros e aterrorizantes.

Corria o ano de 1802, dia 21 de Dezembro, uma tarde de sol radioso. O mar estava mansinho, o céu claro e azul, sem qualquer ponto negro ou branco. No ar pairava um cheiro a maresia deslumbrante, acompanhado de cânticos e melodias estupendas dos pássaros e aves que por ali passavam.

Nesse mesmo mar, vagueavam cinco grandes e corpulentos navios, feitos de madeira resistente e robusta. Num dos navios estava um rapaz cujo nome era Kevin que navegava com o seu melhor amigo Nil pelas geladas águas do Atlântico em busca de uma ilha, a ilha do tesouro. Tudo parecia estar a correr bem, quando uma nuvem feia, grande, cinzenta e carregada de raiva se aproximou das cinco embarcações.

– Cuidado!- exclamou Kevin, surpreso, quando um raio atingiu um dos navios.

– Ajuda, ajuda!- gritou Nil assustado, que ao ver o raio atingir um marinheiro pediu socorro.

Entretanto, enormes ondas acompanhadas de chuvas intensas engoliam os barcos, desfazendo um deles em pedaços e matando toda a tripulação do mesmo. Kevin e Nil olhando para os pedaços do barco espalhados pelo oceano, temiam pelas suas vidas. De repente, uma onda atingiu o barco de Kevin, e Nil com a força do impacto quase caiu para o mar. No entanto, num ato heróico, Kevin lançou uma corda para que Nil se agarrasse e dessa forma não caísse.

– Obrigado meu amigo, obrigado! – agradeceu Nil, suspirando de alívio por não ter tido um destino cruel.

Logo após aquela onda gigante ter atingido o barco, foi a vez de um raio atingir o mesmo e, para azar de Kevin, com o impacto do raio, o mesmo acabou por se desequilibrar e cair, batendo com a cabeça, de forma violenta no chão e ficando inconsciente. Cinco longas horas passaram, horas de muita luta, sacrifício e companheirismo. Kevin acordara, confuso, atarantado e sem forças para se levantar.

– Estás bem Kevin? Diz alguma coisa por favor! – perguntava Nil angustiado e receoso pela vida do seu companheiro.

– Sim Nil, sim! Estou só um pouco tonto. – respondeu Kevin esforçadamente.

Após alguns minutos, Kevin recuperou as forças, levantou-se e nem queria acreditar naquilo que os seus olhos viam. O sol reluzia despido, sem nuvens que o pudessem tapar, as águas estavam novamente calmas e as aves voltavam a cantar. Mais algumas horas se passaram até ao dia seguinte quando, ao fundo do horizonte, se avistava terra. Foi então que Kevin pegou nos seus binóculos, e com um sorriso de orelha a orelha berrou:

– Marinheiros, marinheiros, terra à vista!

– É a ilha do tesouro, é a ilha do tesouro!- exclamou euforicamente Nil.

As embarcações já enfraquecidas e desgastadas atracaram na ilha. Kevin e Nil saíram do barco apressadamente, acabando por encontrar o tesouro que tanto desejavam. Radiantes e risonhos, os dois olharam um para o outro e mutuamente disseram:

– Conseguimos!

Kevin Meggi, 10ºG

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Radamés e Kéfera

 

No tempo dos faraós, no antigo Egito, havia uma gata que vivia num armazém do faraó, aos cuidados de uma família abastada. Lá a gata viveu toda a sua vida a caçar ratos e outras pragas que tentavam alimentar-se dos cereais armazenados. Tinha tido muitas ninhadas, era a gata mais velha do armazém e todos os outros gatos a respeitavam. Ao contrário da maioria dos gatos, esta era bastante meiga para com os seus donos e em particular com um dos filhos do intendente chamado Radamés. Todos os dias ao nascer do sol a gata ia ter com ele para o acordar. Por isso, Radamés tinha-lhe dado o nome de Kéfera, que significa primeiro raio do sol da manhã. E como gostava muito dela, também lhe tinha colocado um anel de ouro na orelha.

Radamés tinha um sonho: tornar-se num grande guerreiro no exército do Faraó. Treinava todos os dias com outros rapazes ou sozinho, na sua biga. Adorava andar na biga e, com dezasseis anos, era o melhor condutor da região. A cada dia que passava manejava melhor a espada e conduzia melhor a biga.

Numa manhã particularmente calma no armazém pois não havia grande movimento, Radamés brincava com Kéfera quando viu um mensageiro do Faraó a aproximar-se. Imediatamente correu para avisar o pai, que estava a fazer a contagem do trigo armazenado, de que um mensageiro vinha a caminho. Este trazia a notícia do recrutamento de Radamés para o exército do Faraó, onde iria ter um posto de condutor de biga, como tanto tinha sonhado.

Por fim, chegara a hora. Tinha dois dias para partir e preparar os seus mantimentos. No dia aprazado, despediu-se dos pais, dos irmãos e da gata. Esta percebeu que algo de fora do normal se passava e miava angustiadamente. Por fim, Radamés partiu em direção à capital onde se ia concentrar o exército.

Já no campo de batalha, Radamés estava a ter dificuldades. Uma roda da biga estava encravada e não rodava, o que o atrasava perigosamente. Continuou mesmo assim e, de repente, apareceu um persa vindo por detrás e tentou derrubá-lo, mas Radamés não se vai deixar derrotar tão facilmente. Puxou do punhal que tinha à cintura e começou lutar, em andamento. Depois de uns minutos, que pareceram intermináveis, Radamés conseguiu desequilibrar o persa, mas este, traiçoeiramente, conseguiu agarrar-lhe o tornozelo e caíram os dois. Foi uma queda bastante atribulada. Radamés bateu com a cabeça e ficou inconsciente. Uns guerreiros que estavam próximos e que viram a queda foram tentar ajudá-lo, mas quando o levaram para um local seguro já não respirava. Assim, de um momento para o outro, a sua vida tinha-lhe sido tirada… mas não foi em vão, pois os egípcios ganharam essa batalha e Radamés morrera a lutar pela pátria. Foi uma morte honrada. Ia começar a sua jornada para o submundo, onde iria encontrar outros desafios pela frente.

Entretanto, no armazém, a gata andava estranha não caçava quase nada, não se deixava tocar por ninguém, o que não era costume dela, e parecia deprimida. Os pais de Radamés ao saberem a notícia da morte do filho, tiveram um enorme desgosto e começaram os preparativos da sua viagem para o Além. Fizeram um sarcófago e mandaram fazer uma escultura com a cabeça de Rá, pois Radamés é filho de Rá, e mandaram construir também um sarcófago para a gata, para quando ela morresse ir ter com o seu dono.

Durante a preparação do túmulo e da cerimónia para a colocação do corpo embalsamado, Kéfera morreu. Sentindo a falta do dono, não resistiu. Mal ela sabia que o ia encontrar no submundo.

Para os pais de Radamés e donos do armazém, foi uma consolação e a esperança de que, como afirma a tradição, este se encontre com Kéfera, pois os gatos também continuam a viver no Além.

 

António Lopes, 10H

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O medalhão

 

Olá! Provavelmente não me conheces, nem sabes sequer o porquê de estar a “falar” contigo neste preciso momento, mas o meu nome é Sophia, Sophia Caroline Booth, viúva de Joseph Mallord William Turner o brilhante autor do quadro que vês acima e estou aqui para desmistificar e contar a verdadeira história que está por detrás deste quadro, cujas falsas teorias já perdi a conta. Sinceramente percebo o porquê de tentarem simplificar toda a história que o meu marido tentou contar através deste quadro, mas realmente o caso é bem mais difícil, misterioso, mesquinho e complicado de contar e tudo isto começou cerca de 2 dias antes do “naufrágio de um cargueiro”…

 

Era uma luminosa, calorenta e calma manhã de verão, o cargueiro tinha partido do porto de Londres, já passavam cinco dias e tudo corria com normalidade… Os marinheiros trabalhavam, alguns na limpeza e manutenção do navio, outros na parte do manuseamento das velas e nós, enquanto alguns começavam a adiantar as refeições do capitão e marinheiros. O capitão estava a estudar e a planificar o melhor possível a rota, visto que aquele cargueiro transportava alguns dos mais importantes, luxuosos e valiosos produtos e ofertas inglesas como o “Precious” um grande medalhão de ouro e esmeraldas que o capitão deveria entregar à filha de um importante comerciante e embaixador presente numa das colónias inglesas, como gesto de “boa vontade” para um importante negócio que se processava na altura, entre outras coisas como um grande carregamento de manufaturas e quiçá umas quantas engenhocas, ou “máquinas” como eles gostavam de lhes chamar…

O capitão Smith tinha, sem dúvida, uma grande pressão e responsabilidade nos ombros visto que seria aquele o primeiro navio a transportar tais produtos para fora da Inglaterra, já para não falar do valor ridiculamente alto do medalhão, nada que o mesmo e o seu pomposo e generoso ego não fossem capazes de suportar. Todos sabiam que o Capitão Smith não era boa rês, foi talvez um dos maiores charlatões, corruptos e manipuladores capitães londrinos, mas era também dos poucos que tinham coragem de avançar para tais desafios e rotas, No entanto, o rei foi inteligente e cauteloso e mandou um “infiltrado” entre os marinheiros ao serviço da coroa Inglesa para assegurar o cumprimento de todos os objetivos da viagem, e foi com a descoberta deste infiltrado que a história se complicou… No dia anterior ao naufrágio, o infiltrado, de nome Peter (um grande amigo meu já anterior ao meu casamento com o Joseph), ouviu o capitão a explicar a um dos seus marinheiros de confiança o “desvio” que iria fazer na rota oficial com o intuito de se encontrar com um grupo de reles piratas para lhes vender algumas das manufaturas e também o Precious um dos medalhões mais valiosos de toda a história, vendido a um grupo de vagabundos do mar…

Peter tinha de fazer alguma coisa! Tinham-no avisado do quão mau e sem valores era o Capitão Smith mas aquilo ia pôr em causa o sucesso de um dos maiores e mais lucrativos negócios ingleses. Peter decidiu agir e roubar o medalhão tendo, logo de seguida, ido falar com alguns marinheiros de sua confiança, explicando-lhes exatamente quem era e a atrocidade que o Capitão estava prestes a realizar… E tudo isto nos leva ao dia do naufrágio…

Os marinheiros tinham acordado com o barulho violento do mar, com o sofrimento das ondas e o arrojado chorar dos céus, Quando subiram ao convés nem parecia verão! Há já muito tempo que não se via tal tempo em plena estação radiante como era aquela, sol e céu azul nem vê-los, o que viram foi o capitão a preparar-se em conjunto com os seus fiéis marinheiros para aportar numa ilha que havia a poucas milhas dali. Ao ver o que se passava, Peter e o resto da tripulação, movidos pelo sentimento de orgulho e defesa da nação, começaram um motim para tomar o barco e desta forma impedir a transação comercial.

O que nem eles nem o capitão esperavam era que o “pequeno grupo de piratas” fosse uma das maiores quadrilhas marítimas alguma vez vista com cerca de 350 homens a bordo, todos eles completamente armados e preparados para saquear o navio, instaurando logo de seguida o caos completo no mesmo. Uma das maiores carnificinas de sempre aconteceu precisamente naquele momento quando mais de metade da tripulação morreu às mãos dos sanguinários piratas, incluindo o próprio capitão, foi talvez o que morreu de pior maneira, torturado e morto, acusado de traição…

Aproximava-se uma grande e grave corrente e alguns dos piratas conseguiram aperceber-se disso e proceder à retirada do navio, outros foram pelo mesmo caminho que a tripulação do navio Inglês… o naufrágio… Todo o pouco material que restava desapareceu com o resto da tripulação, todos eles morreram às mãos daquela terrível tempestade, exceto um que se escondeu no barco pirata com o medalhão… isso mesmo, o Peter salvou-se!… Sempre foi um rapaz astuto e perspicaz e rapidamente percebeu que se aproximava uma corrente e foi nesse instante que conseguiu fugir para o barco pirata onde se escondeu. Passou fome e frio durante cerca de duas semanas até chegar a uma ilha onde estava atracado um grande navio da coroa inglesa para onde se esgueirou e regressou como um grande herói… Sinceramente acredito que ele tenha exagerado em algumas partes da história, mas o Joseph adorou a sua aventura e começou de imediato a pintar o quadro que vos chega até hoje, presente, neste momento, numa fundação de um tal Colecionador de nome Calouste Gulbenkian.

 

Carolina Baptista, 10ºH

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O colar misterioso

 

Em 1970, um homem francês fazia arrumações em sua casa e descobriu um colar antigo. Tentou devolver o colar aos antigos donos da casa, mas, infelizmente, tinham falecido sem deixar nenhum familiar próximo a quem o pudesse dar. Então o homem, de nome Pietro, um profissional de leilões, decidiu verificar o valor e a história daquele colar. Recorreu a uma velha cliente e amiga, entendida em mitologias e em história mundial para perceber o que estava por detrás daquela peça lindíssima.

Pietro chegou à loja da sua amiga Francine com a peça enrolada num pano para não a estragar ou riscar, como fazia sempre que levava uma peça importante ou valiosa. Francine, curiosa, por ver um objeto num pano, e animada por ver Pietro a entrar na sua loja, parou imediatamente o que estava a fazer, para o ir cumprimentar e ver do que tratava a sua visita:

– Bom dia Pietro, bons olhos te vejam! O que me trazes desta vez de tão importante? – disse Francine ao ver o seu velho amigo, que sempre que a visitava levava-lhe algo interessante para trabalhar.

– Bom dia Francine, sei que recorro sempre a ti, mas és a pessoa ideal para este trabalho! Preciso que vejas esta peça, com muita atenção e cuidado… – Pietro estava tão entusiasmado para saber a história daquele objeto que destapou logo a peça para lhe mostrar e começar a sua pesquisa.

Francine, curiosa, colocou as suas luvas para evitar estragar a peça, ligou a luz branca para ver o objeto o mais detalhadamente possível e enquanto trabalhava perguntava a Pietro pormenores de como encontrou uma peça como aquela tendo em conta a sua unicidade e os seus detalhes.

– Então Pietro conta-me os pormenores deste teu achado! Tens aqui um colar único! – dizia Francine enquanto via os traços da peça.

– Não sei grandes pormenores, apenas que a família tem origens francesas e gregas. – Pietro tentava ajudar Francine no que podia mas, dada a sua idade, tornava -se difícil subir e descer escadas à procura dos livros.

Após muitas subidas e descidas, Francine descobriu que a peça era do famoso mestre vidreiro e joalheiro René Lalique, era feita de opala, marfim, esmalte e ouro, e tinha por base a mitologia grega.

– E sabes dizer-me o ano e nome da peça? – Pietro estava intrigado.

– Dado o desgaste dos materiais, é do ano de 1903 e com base nos registos das obras do joalheiro chama-se O pendente “Rapto de Dejanira” – afirmou Francine depois de ver a peça com extrema atenção e ter visto todos os registos do autor.

– E qual a história por detrás deste colar? – perguntava-se Pietro sabendo que, todos os objetos que o Mestre René Lalique fazia, tinham uma história interessante.

– Bem esta história é cumprida como uma estrada sem fim, mas vou tentar. – disse Francine.

“A história passa se na Grécia Antiga. Hércules e a sua mulher Dejanira estavam em viagem, e no caminho deparam-se com um obstáculo, um rio chamado rio Eveno que tinha umas correntes tão fortes como 20 cavalos a puxarem uma carroça. Hércules sabia que, dado Dejanira ser uma comum mortal, seria impossível atravessar o rio sem ser puxada pelas correntes. Então um centauro de nome Nesso, que estava na outra margem, ofereceu ajuda. Hércules confiando em Nesso, deixou Dejanira ser levada por Nesso até à outra margem.

Ao chegar a outra margem do rio, a pedido da esposa de Zeus, que odiava Hércules por ser o seu filho bastardo, pediu a Nesso que, quando a levasse para a outra margem, a raptasse para assim deixar Hércules frágil e fazê-lo sofrer.

Hércules ao ver Nesso a fugir com a sua amada, atravessou o rio a nado arriscando-se a ser levado pelas correntes. Com o objetivo de salvar o seu amor, disparou setas envenenadas pelo sangue de Hidra (monstro que havia sido morto anteriormente por Hércules) e rapidamente feriu o centauro.

Ferido, o centauro disse a Dejanira, antes de Hércules chegar ao encontro deles, que recolhesse um pouco de sangue dele e o guardasse. Caso algum dia fosse traída por Hércules, ela deveria embeber uma túnica com aquele sangue e mandar Hércules vesti-la. Assim, ele voltaria para ela.

Algum tempo depois, Hércules foi cobrar a promessa do rei Euritos e trouxe a princesa Iole com a intenção de a casar com o seu filho Hilo. Foi um erro com enormes consequências, pois Dejanira supôs que Hércules a iria trocar pela jovem Iole.

Com medo e fragilizada, Dejanira seguiu as recomendações do centauro, e deu a Hércules uma túnica embebida no sangue do centauro que estava envenenado pelas flechas de Hércules. Ao vestir a túnica, Hércules, sentiu que iria morrer e deu as suas armas poderosas ao seu amigo Filoctetes. Sendo um amigo fiel de Hércules, construiu uma pira, colocou o corpo de Hércules sobre ela e fez todas as honras fúnebres. Quando o fogo baixou, verificou-se que não sobrava nada, nem sequer as cinzas do herói. O amigo e todos os presentes na cerimónia pensaram que Zeus havia elevado Hércules até ao reino dos imortais. Dejanira compreendeu o grande mal que causara e morreu de pesar. Entretanto, o grande herói havia partido para sempre…”

– Bem! Que história trágica… – dizia Pietro pasmado com o que acabara de ouvir.

– Eu sei, Hércules sempre sofreu e lutou pela sua vida. Daí o grande fascínio e culto que algumas pessoas lhe fazem. – Francine era fascinada pela mitologia grega, especificamente por Hércules.

– Então e agora qual a ideia que tens para o colar? – perguntou Francine curiosa com o destino que Pietro iria dar ao seu colar.

– Bem, não sei ao certo ainda, mas provavelmente vou doá-lo a algum museu! – Apesar do seu trabalho, Pietro era um apaixonado por museus e achava que os museus eram o melhor sítio para aquele tipo de relíquias descansarem.

 

– Então peço que depois do doares me digas a data e o local onde será apresentada a peça. – Francine queria ver a peça exposta num museu, e ver a história que colocariam.

– Obviamente que te direi algo. Obrigado mais uma vez por tudo Francine, serás recompensada pelo teu trabalho, prometo! Até logo! – disse Pedro entusiasmado.

– Bem é sempre bom ajudar um amigo, não existe melhor recompensa para mim do que a tua visita, e o poder de ensinar. – afirmou Francine.

E assim, a peça acabou num dos mais famosos museus da cidade, a fazer sucesso, por todos os olhares que a viam e perguntavam pela sua história.

 

Daniel Furtado Ferreira, 10º H

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O Menino do Rio

 

Há muito tempo atrás, numa humilde casinha de madeira, à beira de um maravilhoso rio, junto de um bosque, perto de uma pequena vila, no centro de França, morava Maria do Rio, uma senhora jovem e das mais belas que o mundo tinha para oferecer, e o seu filho, Afonso, uma criança de seis anos, que cresceu sem pai, mas todos os dias andava com um sorriso luminoso pelo bosque.

Todas as manhãs, Maria do Rio pedia a Afonso para ir comprar pão e fruta à vila, vila essa onde morava o Conde Francisco Raez, com as suas três filhas e a sua esposa. Nessas deslocações que Afonso fazia à vila, tinha a oportunidade de conviver com as pessoas que lá viviam, por isso divertia-se bastante.

O Conde Raez era um homem rico e respeitado, pois era ele que financiava toda a vila. Toda vila o adorava! O problema era a sua esposa, Elvira, uma mulher espantosa de se ver, mas rude e fria como o gelo, tinha um ódio profundo por toda a vila pelo simples facto de ser o seu marido a financiá-los.

Ao longo da sua vida, Afonso perguntou variadíssimas vezes à mãe, quem era o pai dele e porque é que ele não estava presente como os pais dos outros meninos da vila. A resposta de Maria era sempre a mesma “É o melhor para todos Afonso, somos felizes assim.” E nisso acreditava o feliz menino de seis anos. Mas um dia tudo estava prestes a mudar. Surgiu um boato na vila de que o Conde teria tido um outro filho, um filho bastardo. Nesse dia, quando Afonso estava a comprar as frutas para a sua mãe, a vila estava muito agitada, parecia que a qualquer momento algo terrível iria acontecer. Afonso perguntou à senhora que vendia fruta o que se passava, e a senhora respondeu:

– A esposa do Conde descobriu que ele teve outro filho há uns anos atrás… Dizem que ela quer apanhar o filho bastardo!

Afonso ficou chocado com aquela informação, mas não lhe tirou o sorriso da cara. Fez o caminho de volta para casa normalmente, com o sol a bater-lhe na cara e, como sempre, o seu sorriso contagiante. Quando chegou, a mãe estava deitada à beira do rio, portanto sentou-se junto dela, e contou-lhe o boato que estava a circular pela vila. Maria do Rio levantou-se repentinamente, e disse:

– Temos que nos ir embora, vamos para casa buscar as nossas coisas, e vamos fazer uma viagem ate à cidade, pelo rio!

– Mas porquê mãe? – questionou Afonso.

– Não há tempo para explicar. Vamos. – insistiu Maria, cada vez mais apressada.

Foram para casa quase a correr e puseram apenas o essencial dentro de duas sacolas. Assim que saíram de casa aparecem dois homens enormes, armados de arco e flecha, acompanhados por Elvira que gritava:

– Atrás deles!

Maria pegou em Afonso e correu em direção ao seu barquinho de madeira atracado perto do rio. Afonso, ao olhar para trás, viu o Conde a derrubar um dos homens que estava a apontar-lhes as flechas.

Ao vê-los dentro do barco e já quase fora de alcance, o Conde olhou para Afonso e sorriu. Afonso, quase a chorar, deitado no barco com a sua mãe, ainda sem ter percebido muito bem o que se tinha passado, perguntou:

– Mãe, aquele era o Conde?

– Não filho, era o teu pai… – respondeu com orgulho Maria.

Afonso encostou-se à mãe e adormeceu sabendo que, um dia, quando crescesse iria voltar à vila e conhecer o seu pai.

 

Leonardo Bonaccorso, 10.º H

 

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A Floresta Encantada

 

Num tempo distante, nas montanhas do norte de França, existiam dois reinos rivais, que lutavam entre si há tanto tempo que os motivos da sua rivalidade se tinham tornado desconhecidos.

Os dois reinos eram divididos pela Floresta Encantada. Um dos reinos, o Reino Frio, era liderado pelo rei Jacques, um homem destemido e aventureiro, que tinha como maior tesouro a sua filha Charlotte. Charlotte era a princesa mais bonita que alguma vez houvera no Reino Frio. Os seus cabelos eram loiros, tinha uma pele delicada e os seus olhos faziam transparecer uma alma repleta de bondade e compaixão.

O outro reino, o Reino Quente, era comandado pelo rei Alexandre, homem bondoso, mas já endurecido pelos anos de guerra entre os dois povos. O Reino Quente tinha também um príncipe, herdeiro do trono. O príncipe Pierre era um rapaz elegante, altruísta e com um espírito livre, o que por vezes não agradava a seu pai, já que Pierre se devia preparar para os deveres que iria ter como rei e, muitas vezes, não o fazia.

Como sempre costumava fazer, nas manhãs de primavera, num certo dia Charlotte foi apanhar frutos silvestres às proximidades da Floresta Encantada. Neste dia, os frutos estavam particularmente vistosos e chamativos e, por isso, Charlotte arriscou e entrou na Floresta para procurar mais dos frutos que tanto a atraíam. Nunca mais ninguém a viu.

Aquando da chegada da notícia do desaparecimento da princesa ao Reino Quente, o príncipe Pierre viu naquela situação uma oportunidade para, talvez, reinstaurar, entre os dois reinos, a paz. Era um desejo secreto que há muito acalentava.

Assim, sem nada dizer, Pierre montou o seu cavalo e partiu, sem demoras, em busca da princesa desaparecida. Ao aproximar-se da Floresta, o príncipe hesitou. Nunca ninguém ousara lá entrar, pois rezava a lenda que monstros ferozes e selvagens lá habitavam. Mas a vontade de salvar a princesa era mais forte. Pierre queria reinstituir a união entre os dois povos vizinhos, que alguma vez na história se perdera.

Ao caminhar, Pierre foi-se apercebendo que a Floresta Encantada era majestosa e não sombria como todos pensavam. As árvores eram grandes, as suas folhas eram muito verdes e os troncos eram largos e firmes. Mais à frente, viu um lago. Nunca vira tal coisa, a água era tão transparente como um espelho e qualquer coisa nela fazia os olhos do príncipe e tudo ao seu redor brilhar.

Ao fundo, ouviu uma voz. Avançou e viu a princesa, presa por três correntes a uma das árvores. Pierre correu ao seu auxílio, mas, mal tocou na sua delicada mão, tudo escureceu. Ela gritou: “Ajuda-me!”. Pierre tentou acalmá-la: “Confia em mim. Vou-te libertar.” Nesse momento, ouviu outra voz que dizia:

 

Se a princesa queres resgatar,

O feitiço haverás de quebrar.

Três desafios terás de superar

E em liberdade poderão ficar.

Mas toma em atenção:

Se algum deles não conseguires cumprir,

Só vos restará a perdição

e nunca mais da Floresta poderão sair.

 

Antes de sequer ter tempo para pensar, um enorme pássaro atravessou-se à sua frente. Um animal feroz, com asas maiores do que o príncipe e um bico afiado capaz de atravessar qualquer superfície, atacava-o. Desembainhou a espada e tentou defender-se. Depois de se ter conseguido desviar de vários ataques do pássaro, deu um golpe no dorso da criatura e conseguiu finalmente derrotá-la.

Por magia, uma das três correntes que prendiam Charlotte desintegrou-se. Aí, percebeu o que significavam os três desafios da voz que ouvira. Pierre teve a confirmação de que estava um passo mais perto de salvar a donzela.

Ouviu outro som, parecia quase um rugido. Afastou-se, pois temia que outro animal desconhecido aparecesse sem estar à espera. Notou que o rugido se transformou num zumbido. Foi nesse momento que viu uma pequena criatura, com menos de um centímetro de largura que voava à sua volta. Pierre era um amante da Natureza e, depois de olhar novamente, percebeu que estava perante a “aedes aegypti”, um dos animais mais perigosos do mundo. Bastaria uma picada para causar a morte.

Não percebia como poderia vencer aquele inimigo tão pequeno, pois nunca na sua preparação militar tinha sido confrontado com algo tão incomum. De repente, teve uma ideia. Tinha lido tudo o que existia acerca daqueles insetos e sabia que apenas eram venenosos se o veneno entrasse no corpo através da pele. Num gesto heróico, Pierre engoliu o inseto. A princesa ficou boquiaberta, mas admirou a bravura do príncipe.

Outra das amarras que prendia a princesa desapareceu. Estavam cada vez mais perto da liberdade. Restava apenas a corrente que prendia o pescoço.

Ouviram de novo um som, desta vez suave. Olharam e viram um coelhinho, preso num galho da árvore mais alta da Floresta. O príncipe questionou-se: “Será que o ajudo? Se o ajudar, talvez algum monstro terrível apareça por trás de mim e assim não serei capaz de te salvar, princesa.” Charlotte respondeu-lhe: “Não te preocupes comigo, vai salvá-lo.”

Ele seguiu o barulho e resgatou o pequeno coelho. Este ato de bondade fez com que a princesa fosse solta, a corrente que a prendia ao tronco da árvore pelo pescoço transformou-se numa bela gargantilha. A gargantilha representava o grande lago da Floresta Encantada, tal como as árvores imperiais que a compunham. O metal disforme que a constituía transformou-se em ouro, esmalte e pedras preciosas.

Os dois jovens apaixonaram-se. Toda a sua coragem, esforço e amizade tornou-se num elo demasiado forte entre ambos para se manterem indiferentes em relação um ao outro.

Voltaram aos seus palácios e contaram as boas-novas aos seus pais, que deram imediatamente fim à centenária rivalidade e criaram uma aliança, representada pela gargantilha, o símbolo da união entre Pierre e Charlotte e a união dos dois reinos, que, apesar de opostos, foram capazes de ultrapassar as suas diferenças.

 

Margarida Sá-Machado, 10.º H

 

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Conto da Lua Vaga

 

O choro da criança acordou Lothar, o dono da casa, que foi ver o que se passava.

Ao chegar ao pequeno quarto das nove filhas, onde as pequenas dormiam amontoadas em dois colchões feitos de trapos, constatou que nenhuma delas estava acordada.

Então percebeu que o choro vinha de fora. Foi ver quem era. Ao abrir a porta, deu com um berço de palha e lá dentro a menina mais bela que vira na vida. Ao olhar para ele, a bebé sorriu e soltou um risinho amoroso.

Lothar levou-a para casa e questionou-se como a menina viera parar à porta de sua casa, perdida no meio do nada.

Pensou que ela era órfã e, ao olhar para os olhos caramelo da menina, descartou logo a opção de a levar para o orfanato, pois sabia o destino trágico das crianças que para lá iam. Mas ficar com ela era uma loucura, pois ele era pobre e já tinha nove filhas. Todavia, apesar de não conhecer aquela menina, não conseguia abdicar de ficar com ela.

Na verdade, assim que olhou para ela ficou a amá-la como se fosse da sua própria carne. Pensou no nome a dar-lhe e, nesse momento, como que por arte divina, o vento sussurrou “Vénus, Vénus, Vénus!”. Lothar assustou-se e ficou confundido pois não era possível o vento falar. Mas a verdade é que começou a tratá-la por Vénus.

Nessa noite quente de verão, iluminada unicamente por uma lua vaga, Lothar sonhou pela primeira vez na sua vida.

O sonho começava num sítio escuro. De repente, Lothar viu-se a rir como nunca tinha rido e o sonho começou a ganhar luz, ao mesmo tempo que alguém se virava lentamente para ele. Era uma rapariga de uns dezanove anos repleta duma beleza divina, absolutamente perfeita.

Depois viu mais nove raparigas, mas também não as reconheceu. Reparou como elas se dirigiam para um ribeiro e como todas, menos a mais bela, se debruçavam para aquele espelho de água, analisando-se minuciosamente para tentar melhorar a sua aparência.

O sonho parecia centrar-se na rapariga de pé. Lothar observava a musa com toda a atenção, pois não conseguia resistir à sua beleza. Depois, olhou para a rapariga que estava ao lado, de joelhos, observando a musa atentamente e com admiração estampada nos olhos. Por fim, esta dirigiu-se à rapariga mais bela:

– Vénus, tens de me ajudar – pediu humildemente Serena.

– Ajudar-te no quê? – respondeu Vénus.

– Estou apaixonada pelo Manfred. Não consigo deixar de pensar nele, mas sinto que ele não me ama, anda ausente em pensamentos e tem o olhar perdido no horizonte.

– O trovador? – perguntou a irmã da direita e Serena assentiu com a cabeça. – Ele nunca irá apaixonar-se… ouvi dizer que Manfred está cativo no puro deleite duma donzela formosa e sei de várias raparigas que sofreram por amor dele e todas elas tiveram um fim trágico. Não cometas o mesmo erro e não te deixes enfeitiçar pela sua aparência e esplendor.

Entretanto, Vénus, tranquila, olhou para a cara de Serena e disse-lhe:

– Sim é deveras um rapaz especial… – disse, perscrutando o horizonte e sorrindo enigmaticamente, com Serena fixando o olhar nela e as outras irmãs hipnotizadas pelo ribeiro.

Ninguém a ouvira, pois ela sussurrara…

Lothar começou a reconhecer tudo, embora sem distinguir o sonho da realidade, pois tudo era demasiado realista.

Depois viu-se na cozinha da sua minúscula casa. Parecia mesmo que lá estava, embora em nenhum momento tivesse saído do monte de trapos enrolados a que chamava leito.

De súbito, reapareceu-lhe Vénus com uma capa preta, muito discreta, a sair de casa. Dirigia-se ao ribeiro. Estava com olhar feliz e notava-se que estava ansiosa. Ao chegar, houve uma sucessão de acontecimentos que agitaram o sonho de Lothar.

Vénus encontrou-se com um rapaz e disse:

– Manfred, alguma novidade?

Manfred encontrava-se no ribeiro e, sem olhar para ela, respondeu:

– Vénus! Minha querida, meu amor… descobri a verdade.

– Conta-me tudo, meu querido.

– Com o teu beijo, consegui entrar na Montanha Divina, enganei as quatro Estações e passei o portão das nuvens. As nossas suspeitas são verdadeiras, és a deusa do amor e foste raptada por uma alma invejosa no dia em que fizeste cinco meses, o dia em que conheceste Lothar e as tuas irmãs…

Vénus, magnânima, olhou fixamente para a cara de Manfred, os seus olhos penetraram-lhe o coração. Vénus, com uma voz muito calma disse-lhe:

– Este amor que sentes por mim é um amor platónico e meu querido eu sei que todas as noites sonhas comigo…, mas esse amor é obsessivo e não é a chave para a tua felicidade. Eu que vim ao mundo sendo a deusa da formosura sei que não existe amor mais perfeito do que o amor recíproco e a Serena ama-te e tu deves amá-la, só assim serás feliz!

De repente, o sonho de Lothar foi inundado por uma estranha luz muito intensa. Começou a arder-lhe a cabeça e a imagem do sonho foi-se esvaindo.

Lothar começou a suar e, subitamente, acordou muito espantado. Levantou-se da cama, olhou para a bebé Vénus e disse-lhe:

– Desde o momento em que te vi, pela primeira vez, soube que eras especial!

E a bebé esboçou um sorriso, iluminado pelos últimos raios da vaga lua que trazia luz àquela noite escura.

 

Maria Constança Tavares d’Almeida, 10ºH

 

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O Tapete

 

Sam Jones chegara naquele fim de tarde a Lisboa. Estava ansioso por poder visitar, finalmente, a cidade e percorrer as salas do Museu Gulbenkian, que possuía uma das mais importantes coleções particulares do mundo. Tinha consultado as páginas de diferentes museus enquanto decorreram os meses de confinamento, mas agora já podia observar as peças e apreciá-las mais de perto e terminar a sua tese sobre a tapeçaria persa ao longo dos séculos.

Antes de se dedicar à sua tese, tinha sido responsável pela execução de vários catálogos de peças decorativas.

Após dois dias de visita à cidade, Sam dirigiu-se ao Museu Gulbenkian, munido de um caderno de apontamentos. Sabia exatamente o que pretendia ver e, depois de ter contemplado muitas peças decorativas da coleção Gulbenkian, deteve-se numa sala ampla onde estava exposta uma peça intrigante, que não se equiparava às restantes, pela beleza da sua composição, pelas cores e motivos. Era um sumptuoso tapete de seda persa, datado do século XVI, que era um exemplo da requintada produção de tapetes de nó do Médio Oriente.

Sam posicionara-se à direita da sala, onde a luz incidia sobre a peça, fitando-a com um olhar pensativo. Na sua mão esquerda, tinha o caderno onde apontava várias notas e rabiscos. A sua atenção focara-se na decoração invulgar do tapete, por esta combinar figuração animal e o desenho de um medalhão central, inspirado na arte do livro persa. Sam, entendido nestes objetos, sabia que esses dois elementos não eram usuais num único tapete daquele género e maravilhou-se com a invulgaridade daquela obra. Para além disso, reparou nos belíssimos contornos vermelhos e castanhos que delimitavam a peça, na sua decoração floral e nos elementos fictícios aí presentes, como os dragões e as fénix combatendo no seu centro, tão cativantes quanto belos.

Sam permaneceu ali, cativo da sua perfeição e da história do trajeto daquela peça extraordinária, que perdurou no tempo e foi testemunha de diferentes culturas e famílias. Hoje encontrava-se ali exposta para poder ser apreciada por todos.

Sam sabia que o tapete tinha sido adquirido por Calouste Gulbenkian dois anos antes do início da 2ª Guerra Mundial e que aquela era uma das peças mais estimadas pelo colecionador, que procurara sempre protegê-la do saque nazi.

Enquanto estava absorvido nos seus pensamentos, aproximou-se dele o vigilante da sala que tinha um sorriso tolo.

– É de facto um tapete bonito – disse – porém extravagante de mais para o ter à entrada de casa e esfregar os sapatos depois de um dia de trabalho, só a quantidade de pó que deve ter acumulado em cinco séculos deve ser desagradável! – e soltou uma gargalhada miúda que irritou muito Sam, que, entretanto, não percebera nada, pois não falava uma palavra de Português.

Sam devolveu-lhe um sorriso forçado. Não gostava de ser perturbado durante as suas longas sessões de contemplação das obras. Sabia que devia continuar a dedicar-se à tarefa que tinha em mãos. Recuou um pouco e, de súbito, tropeçou. Todavia, não chegou a cair. Tinha sido amparado por uma bela jovem de olhos castanhos, que lhe sorriu amavelmente. Instintivamente, Sam pediu-lhe desculpa na sua língua “So sorry”, esquecendo-se que poderia não ser compreendido. Ana sorriu-lhe e respondeu-lhe num inglês quase perfeito. A jovem frequentava o último ano da Escola de Belas Artes e tinha-se interessado pelos motivos, temas e cores dos tapetes persas, incorporando-os nos seus próprios quadros.

Ana percebeu que Sam lhe podia dar informações mais detalhadas sobre a história daquela tapeçaria e, sem que ele estivesse à espera, convidou-o para um café na esplanada.

Sam assentiu com um sorriso. De repente, o sol parecia ter iluminado toda a sala.

 

Maria Margarida Borrões,10ºH

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As Histórias do Lago

 

Wargrave é um local a oeste de Londres, banhado pelo rio Tamisa. Por ser um local belo e ao mesmo tempo muito calmo foi, desde sempre, uma paisagem de eleição dos artistas que escolhiam a zona para desenvolver os seus dotes artísticos.

Maria e sua filha, Ana, viviam em Wargrave. O pai de Ana, comerciante abastado, ocupava uma grande parte do dia a trabalhar, enquanto Maria ficava responsável pela educação da sua filha.

Na altura mais quente do ano, as duas iam, todos os dias, passear junto às margens do rio Tamisa, à procura de uma brisa que as ajudasse a refrescar.

Era linda, esta zona da cidade! Os meninos corriam, brincavam e riam juntos!

Ana tinha 10 anos, era uma criança muito bonita, inteligente e sociável. A menina era muito curiosa e gostava de ler e escrever. O seu maior sonho era ser escritora. Gostava também de encontrar os seus amigos, com quem partilhava brincadeiras e até segredos.

Maria era uma jovem mãe, bonita e muito culta. Tinha a seu cargo a educação da filha, a quem transmitia conhecimentos, nomeadamente nas áreas da literatura e da arte. Os seus pais eram escritores e essa influência era marcante na sua personalidade.

Os passeios ao lago eram momentos de convívio! Maria era muito simpática e, por isso, facilmente arranjava amizades entre as mães que também usufruíam daquele local. Ana encontrava no lago companheiros de corridas e outras brincadeiras próprias da sua idade.

Maria levava sempre uma bela merenda, onde não podia faltar o bolo de laranja e a limonada. Ana adorava lanchar na beira do lago, com a sua mãe!

Mas havia um ritual que nem uma, nem outra, dispensavam: as belas histórias que Maria tinham ouvido da sua mãe e que fazia questão de transmitir à sua filha, Ana.

Era um momento especial do dia, que acontecia sempre à sombra de uma grande árvore. As duas deitavam-se numa barcaça e, aproveitando o embalar, deixavam fluir a sua imaginação.

Eram muitas as histórias que Maria contava! E era muita a atenção e curiosidade de Ana aos contos de cavaleiros e princesas, lendas e mitos, lengalengas e outros contos antigos, aos quais Maria e Ana sempre acrescentavam uma marca pessoal…

– Mãe, gosto muito de ouvir as tuas histórias!

– Obrigada Ana. É bom estar aqui, nesta sombra fresca, a contar-te coisas do tempo antigo.

– A história que eu mais gosto é a da menina do mar. Contas-me outra vez?

– É claro que sim!

E, mais uma vez, Maria contava a história de amizade entre um rapaz e uma menina, que vivia no mar, junto dos seus amigos polvo, peixe, caranguejo e golfinho. O maior sonho do rapaz era conhecer o fundo do mar, enquanto que a menina gostaria de conseguir sobreviver, durante mais tempo, fora de água.

Ana sonhava encontrar, também ela, a menina do mar e, com ela, poder conhecer a vida debaixo de água. Ela adorava a água!

Depois do momento guardado para os contos, Maria cantava canções de embalar e Ana acabava sempre por adormecer.

E era assim quase todos os dias!

Nas margens do rio, muitos eram os pintores que, aproveitando as belas paisagens, deixavam fluir a sua imaginação e sentido estético.

John Sargent era um desses pintores. Nascido em Florença, estudou artes em Paris e viveu a maior parte da sua vida em Inglaterra. Estava naquela zona por convite de amigos e logo aproveitou a paisagem para ganhar inspiração.

Observador, reparou naquelas duas personagens que, diariamente, caminhavam em direção à grande árvore e saltavam para dentro da barcaça, onde a pequena Ana acabava por adormecer. Foi numa dessas tardes que o pintor decidiu colocar na tela aquela cena ternurenta entre mãe e filha.

Marta Matos, 10ºH

 

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A figura feminina

 

Núbia era uma das inúmeras mulheres do antigo Egipto que passavam dias e noites em casa, a realizar trabalhos domésticos. Era mãe solteira, mas isto nunca a impediu de criar e cuidar dos seus quatro filhos. Infelizmente só o amor dela não bastava para que estes pudessem ter o que comer em casa, Núbia precisava de trabalhar para alimentar as pobres crianças. O seu maior sonho seria, então, trabalhar em medicina. Sempre soube cuidar e tratar dos seus vizinhos caso ocorresse uma emergência, tinha um pequeno jardim onde cultivava inúmeras plantas capazes de curar qualquer doença ou mal-estar. Nunca ninguém na sua casa adoeceu devido a este talento, imaginem então o que seria poder curar mais pessoas por todo o Egipto. Se ao menos houvesse alguém que a pudesse ajudar a concretizar esse sonho…

Isis, por outro lado, era uma das mulheres mais ricas e poderosas de todo o Egipto. Governava aquelas terras há cerca de dez anos e nunca houve dúvidas sobre as suas capacidades ou competências. Era sempre a mais bela e tinha sempre o direito à última palavra, uma vida perfeita. Mesmo assim, Isis escondia um grande segredo. Há anos que tentava engravidar, mas nunca conseguira. O seu sonho era começar uma família, o seu marido já havia desistido, mas ela jamais. Já havia tomado todos os tipos de medicamentos e tratamentos possíveis para a época mas nada resultava.

Numa bela manhã, ocorria uma das maiores feiras do estado, os populares vendiam os produtos que haviam cultivado ao longo do ano e os membros mais importantes do governo entretinham-se a comprar os mesmos. Nessa feira só era permitida a venda por homens, as mulheres deviam apenas ficar em casa ou fabricar esses produtos. Mesmo assim, Núbia atreveu-se a contornar as regras e montou a sua própria tenda! Era a oportunidade perfeita para vender as suas plantas e medicamentos e dar a conhecer do que era capaz. Por isso, ela estava emocionada por aquele primeiro momento em que iria vender os produtos que plantava há meses.

Já com a tenda montada não podiam passar despercebidos os olhares e comentários dos outros vendedores – como é que uma mulher como ela tinha coragem de vir atrapalhar o negócio daqueles homens? Sem piedade nem compaixão, um dos homens que ali trabalhava começou um fogo na tenda de Núbia. Todo o seu trabalho e dedicação arderam em meros segundos, apenas por ser uma mulher no meio dos homens.

Isis passava por ali e pode observar uma triste e pobre mulher que lamentava e gritava. Era possível sentir a dor e angústia daquela mulher pelos inúmeros gritos que pairavam no ar!

– Socorro! Socorro! Está tudo destruído!! – lamentava Núbia.

– Que te aconteceu pobre rapariga? – questionou Isis.

– Nasci uma figura feminina… – suspirou Núbia.

Núbia contou o que tinha sucedido e que depois daquilo já não havia possibilidade de continuar a pagar as contas, era o fim! Isis lamentou a situação e também contou a sua história, aquela que ninguém sabia existir. As duas reuniram-se no dia seguinte no palácio triunfante de Isis, cujo chão era reluzente e de ouro maciço, as portas pareciam a entrada para o paraíso e as janelas apenas mostravam o melhor do Rio Nilo. Núbia estava deslumbrada com tanto brilho e luz e trazia consigo os seus quatro filhos que também se maravilhavam com aquele sítio. Isis passou a maior parte do tempo a brincar com aquelas inocentes crianças, nunca esteve tão feliz como naquele momento em todo o seu reinado… sentiu amor pela primeira vez.

Depois de uma longa conversa, formou-se ali uma união para a eternidade. Núbia concordou em criar uma planta que resolvesse o problema de fertilidade da sua amiga e não iria parar até conseguir, enquanto Isis prometeu financiar e abrir a primeira escola de medicina da era, para que mais mulheres e homens pudessem aprender e beneficiar-se da arte e cura da natureza. Mal sabiam elas que aquela aliança iria mudar o rumo do Antigo Egipto para sempre. Duas mulheres que tinham o mínimo em comum juntaram-se e trabalharam para o bem uma da outra, o que só trouxe vantagens e valorizou para sempre a figura feminina do antigo Egipto.

 

Malambi Santana, 10H

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