Em seu livro Um mundo, uma escola- a educação reinventada (2013), Salman Khan critica o velho modelo da sala de aula. Segundo ele, o velho hábito da aula expositiva passiva não faz sentido para as novas gerações, que estão acostumadas a colaborar, agir, produzir e descobrir. Para Khan, o novo modelo de aprendizagem deve ser ativo e deve usar a tecnologia como aliada. Usando os recursos tecnológicos com sabedoria e sensibilidade, a sala de aula pode se tornar uma oficina de ajuda mútua, em vez de uma escuta passiva.
Um dos recursos tecnológicos que estão mais em evidência atualmente são os dispositivos móveis, em especial o telefone celular. O seu uso no cotidiano escolar tem sido alvo de críticas e elogios.
Por ser um aparelho móvel de fácil mobilidade e ter várias funções, o celular se popularizou rapidamente entre os alunos. Porém a escola não vem absorvendo tais tecnologias na mesma velocidade. Em vários países, como os Estados Unidos, a Alemanha e a Itália, os estudantes estão proibidos de usar o celular durante as aulas. Eles podem ser punidos e terem seus aparelhos recolhidos.
No Brasil, o estado de São Paulo foi pioneiro ao aprovar o projeto de lei que regulamenta o uso dos celulares nas escolas públicas de todo o estado, sancionado no decreto 52.625, de 15 de janeiro de 2008.
Mas então, proibir ou incentivar o uso dos celulares em sala de aula? Pessoalmente, acredito que trazer a tecnologia para escola pode tornar o ensino e a aprendizagem mais eficazes e podem contribuir para que ocorram mudanças significativas na maneira como os alunos se desenvolvem e produzem conhecimento. É claro que os
dispositivos móveis, como os celulares, não foram projetados para fins educacionais, portanto seu uso deve ser muito bem planejado para ser pedagogicamente eficaz e inovador.
Com essa vontade de inovar e transformar as minhas aulas de inglês é que há alguns anos venho desenvolvendo atividades com dispositivos móveis com enfoque na fotografia digital.
A ideia de trabalhar com fotografia digital surgiu ao perceber o tanto que jovens e adultos usavam seus dispositivos móveis (celulares, tablets, câmeras digitais, etc) para tirar fotos e compartilhar com amigos em redes sociais. O meu ponto de partida foi tornar a experiência a mais democrática possível, desenvolvendo atividades que pudessem ser feitas com quaisquer dispositivos que os alunos trouxessem para sala de aula que tivessem a função de câmera digital. E meu objetivo era dar um toque de inovação, através da fotografia, em atividades tradicionalmente desenvolvidas em sala de aula para crianças, adolescentes e adultos.
Ao meu ver, utilizar dispositivos móveis para tirar fotos e usar tais imagens digitais no processo de ensino e aprendizagem têm vários pontos positivos:
1. offline- não há a necessidade de conexão com a internet.
2. BYOD (Bring Your Own Device)- o aluno utiliza seu próprio dispositivo.
3. fácil- tirar fotos é uma habilidade que a maioria das pessoas dominam.
4. criatividade- tirar fotos exercita e desenvolve o lado criativo.
5. significativo- as fotografias têm significado relevante para quem as tirou.
6. engajante- tirar e compartilhar fotos promove a interação entre os alunos.
7. propriedade coletiva- toda a turma produz o material da aula.
8. novidade- usar dispositivos móveis e usar fotografia digital no processo de ensino e aprendizagem são elementos de inovação nas práticas pedagógicas e despertam o interesse por parte dos alunos.
A seguir, descreverei algumas atividades que foram desenvolvidas por mim e aplicadas em diversas turmas de idades e níveis de fluência diferentes. Em alguns casos, o foco da atividade é promover a livre conversação e comunicação na língua-alvo, e em outros casos a intenção da atividade é promover a prática de novas estruturas linguísticas que estavam sendo ensinadas naquele momento.
Utilizando fotos do rolo da câmera/biblioteca de imagens
Níveis: intermediário e avançado
Objetivo: exercitar a fluência na língua-alvo
As atividades a seguir não exigem preparação e o material utilizado são as imagens que os alunos possuem nos seus dispositivos móveis:
1. Para o primeiro dia de aula: alunos selecionam algumas imagens e, em pequenos grupos, as utilizam para se apresentarem e falarem um pouco sobre personalidade, gostos, atividades, família, eventos que participaram, etc. Enquanto o aluno está falando e mostrando as imagens, os colegas podem fazer perguntas e tecer comentários pertinentes.
2. Em pares: os alunos selecionam randomicamente uma imagem em seus respectivos dispositivos e devem listar os pontos em comum entre as duas imagens (elementos concretos ou abstratos).
3. Em trios ou grupos de quatro: os alunos selecionam randomicamente uma imagem e devem eleger qual foto não pertence ao grupo. Neste caso não há resposta certa, os alunos devem usar a criatividade e senso crítico para tomarem a decisão. Cada grupo deve explicar a sua decisão para o resto da turma. Veja a figura ao lado, qual delas você acha que não pertence ao grupo? Qual seria a sua explicação?
Dever de Casa
As atividades a seguir são sugestões de dever de casa para diferentes tópicos gramaticais e estruturas linguísticas. Os alunos recebem uma tarefa e, fora do ambiente escolar, devem captar imagens com suas câmeras e trazê-las na aula seguinte.
Níveis: básico e intermediário
1. O que as pessoas estão fazendo? Nesta tarefa, os alunos devem tirar fotos de pessoas fazendo atividades diferentes (ex: cozinhando, correndo, vendo tv, lendo, etc). O objetivo é praticar o tempo verbal Present Continuous. Em sala de aula, os alunos podem mostrar suas imagens e os colegas podem descrever o que está acontecendo oralmente.
Outra alternativa é projetar as imagens para toda a turma e pedir que, individualmente, todos escrevam o que está acontecendo, como se fosse um tipo de ditado.
2. Descreva um cômodo da sua casa: nesta tarefa os alunos devem tirar uma foto de algum cômodo da casa (ex: o quarto, a sala de estar, a cozinha, etc.). Os colegas devem, então, usar as estruturas There is/There are e o vocabulário de móveis e objetos para descrever o que estão vendo na foto.
3. O que você fez no final de semana? Os alunos tiram fotos durante o final de semana e mostram para os colegas. Eles devem usar o Simple Past (passado simples) para descrever o que fizeram.
Projeto
Esta é uma sugestão de projeto que envolve toda a turma e leva várias semanas para ser executado. É indicado para crianças de nível básico e serve para consolidar e praticar diferentes tempos verbais, como Simple Present, Simple Past e Present Continuous.
Leve um animal de pelúcia ou um boneco e explique que ele passará alguns dias na casa de cada aluno. Os alunos devem tirar fotos do boneco em suas respectivas casas fazendo atividades diferentes do cotidiano. Com o auxílio dos pais, as imagens são enviadas para o e-mail do professor. Em sala de aula, os alunos visualizam as imagens e descrevem o que está acontecendo, o que aconteceu ou qual a rotina semanal do boneco. Esta prática pode ser oral ou em forma de ditado.
Tirando fotos durante a aula
As sugestões a seguir são para atividades em que os alunos devem tirar fotos em sala de aula ou pelas dependências da escola. São indicadas para níveis básico e intermediário e têm como objetivo consolidar e praticar pontos gramaticais diferentes e vocabulário:
1. Em sala de aula o professor deve escrever o modelo no quadro (John was studying when his phone rang/ O John estava estudando quando o seu telefone tocou) e revisar a relação entre os tempos verbais Simple Past e Past Continuous. A seguir, os alunos, em pequenos grupos, devem sair pela escola clicando situações parecidas com o modelo para que os colegas , depois, possam visualizar as imagens e elaborar frases usando os dois tempos verbais.
2. Desafio do alfabeto: Em pequenos grupos, os alunos têm de tirar fotos de objetos, pessoas ou situações que ilustrem palavras que começam com diferentes letras do alfabeto (de A a Z). Em alguns casos , os alunos têm de usar a criatividade pois não encontrarão facilmente um objeto físico e concreto começando com certas letras (podem fotografar emoções, situações, etc).
3. Qual o objeto? Nesta atividade, o objetivo é praticar os verbos modais de dedução MUST, MAY, CAN`T, COULD. Os alunos devem tirar uma foto de “close” que apareça somente um pedaço do objeto para os colegas tentarem adivinhar o que é (Ex: It must be television/It may be a ball/ It can`t be a sofa). Veja as fotos ao lado, você saberia dizer o que são?
Estas foram algumas das atividades que desenvolvi com minhas turmas ao longo de vários semestres diferentes. Busquei transformar atividades e práticas tradicionais de forma que objetos móveis pudessem ser utilizados com enfoque na fotografia digital.
Percebi, nas mais diversas experiências citadas, que os alunos abraçaram as atividades propostas com entusiasmo e interesse diferenciados, não só por se tratar de uma proposta diferente do usual, mas por ser algo que fez uso de uma prática recorrente no cotidiano deles fora da escola.
A tecnologia foi usada como coadjuvante no processo de ensino e aprendizagem e serviu para promover interação, compartilhamento e construção do conhecimento em grupo, dando aos alunos um papel mais ativo.
Como acredito que de nada vale inovar sem compartilhar, compilei todas as minhas ideas e as transformei em um workshop (vide fotos nas páginas seguintes) que venho apresentando em alguns seminários e congressos locais, nacionais e internacionais voltados para professores de inglês, como por exemplo:
– 9th CTJ TEFL seminar (Brasília, 2012)
– TESOL Conference (Dallas, Estados Unidos, 2013)
– 2nd Alumni, CTJ and IBEU TEFL Conference (Brasília, 2013)
– BrazTesol Gyn One Afternoon Seminar (Goiânia, 2014)
Também tive a oportunidade de compartilhar minhas atividades em um webinar (seminário em forma de webconferência) chamado The Virtual Round-Table em 2013 e 2014, assistido por professores do mundo inteiro.
Mas seria este um projeto aplicável exclusivamente em aulas de inglês de um curso de idiomas? Seria adaptável para realidades diferentes, como instituições de ensino público e para disciplinas diferentes?
Este ano fui convidado para apresentar o meu workshop no 5º Seminário de Educação e Tecnologia em Piraí, no Rio de Janeiro. O grande desafio foi adaptar a apresentação e focar as ideias nos seus princípios e processos, ao invés dos produtos, uma vez que a apresentação seria vista por professores da rede pública das mais variadas disciplinas. Foi uma rica experiência em que pudemos discutir o papel da tecnologia em sala de aula, seus prós e contras e desafios enfrentados pelas escolas da rede pública. Os professores, puderam discutir como poderiam adaptar as ideias propostas para suas realidades.
Conclusão
Acredito que estas atividades usando fotografia digital têm sido minha maneira de contribuir para a inovação e transformação nas práticas pedagógicas. Outros professores vêm tendo a oportunidade de aprender como incorporar novas tecnologias em sala de aula por meio de atividades simples, dinâmicas e bastante eficazes. A viabilidade deste projeto é real e possível, pois permite que os alunos utilizem seus próprios dispositivos, independente do tipo, marca ou modelo. A tecnologia, em momento algum, é o foco. Ela é apenas uma ferramenta potencializadora, e o objetivo maior da minha proposta é promover a interação, o compartilhamento e a produção coletiva, enfim, habilidades essenciais para o século 21 e que fazem toda a diferença.
A tecnologia pode e deve promover a participação ativa dos alunos no processo de ensino e aprendizagem.
“Toda a ênfase é colocada na atividade do próprio sujeito, e penso que, sem essa atividade, não há possível didática ou pedagogia que transforme significativamente o sujeito” Piaget (1972)
Fim
Todas as fotos aqui mostradas foram tiradas por mim ou pelos meus alunos.
Published: Jun 20, 2014
Latest Revision: Aug 21, 2014
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